Senhor ensina-me a orar
Primeira Leitura (Gn 18,20-32)
Salmo 137
Segunda Leitura (Cl 2,12-14)
Evangelho (Lc 11,1-13)
Rocélio Silva Alves.*
Na primeira leitura (Gn 18,20-32), Abraão tem consciência de que a justiça de Deus agirá contra o povo, mas que na mesma proporção também agirá a sua misericórdia. Que misericórdia é esta que nos poupa e nos acolhe em nossas fragilidades? Que Deus é este que não castiga e nem pune os culpados, mas que sempre acredita em nossa capacidade de conversão? Tu já paraste pra pensar se fosses Deus, como agirias com os ímpios e profanadores? Como farias com aqueles/as que trouxeram para si outro deus, com os idólatras? Será que existe algo de idolatria hoje em nossa volta? Será que o consumo, o prazer, o poder, as relações descartáveis, não seriam outros cultos idolátricos? Retorno à pergunta: o que tu farias se fosses Deus? Exterminaria este “povo”? Terias a paciência e esperança de Abraão a ponto de apostar que ainda há um justo entre nós? Como observas nossa sociedade, igreja, pastoral? Olhas com o otimismo de Abraão ou com o pessimismo exacerbado da contemporaneidade? És capaz de reconheceres as qualidades dos outros/as com esperança para aqueles/as que estão em tua volta? E se tu fosses Deus? Perdoarias? Te perdoarias? Tu salvarias? Será que tu não tens qualidades? Será que não há centelhas de amor, perdão, justiça em tua prática?
Olha pra tua história, e reconhece esta grandeza de tua existência. Vê tuas mãos, teu rosto, teu brilho no olhar, vê a imagem e semelhança deste amigo que és chamado a confiar. Simplesmente. Percebas na segunda leitura deste domingo (Cl 2, 12-14) a completude da misericórdia: somos novos, ressuscitamos para uma vida nova, não de modo mágico e perfeito, mas processualmente e constantemente. Assim, Deus se faz morada em tua morada. Ele se faz carne em tua carne. Fomos trazidos à vida!
Vê como o espetáculo do amor desmascara nosso egoísmo e se faz mais do que merecemos e somos. Aliás do que não cremos ser, nossa “conta” foi cancelada, nada mais de tormentas, nada mais de autopiedade, nada mais de vitimização. Estamos vivos, somos vida. Não esqueçamos que o amor filia, o amor da amizade, é a principal característica de relacionamento entre Jesus e seus discípulos e que hoje é o nosso momento de fazer memória e nos empoderarmos desta condição de amigos e amigas.
No evangelho deste domingo (Lc 11,1-13), os amigos de Jesus se dão conta de sua intensa vida de oração. Eles querem aprender, desejam fazer a experiência, talvez queiram ter o brilho nos olhos, ou as palavras acertadas, ou ainda, os gestos de acolhida. Existe algo que os discípulos querem imitar, por que sabem que é bom. Imitar por reconhecerem como um gesto nobre e livre.
O que seria a relação com Deus se não uma relação íntima entre amigos e amigas? Relação que dispensa as formalidades protocolares das horas e agendas. Relação na qual o amigo é “casa”, é aconchego.
O que deve ser nossa experiência de oração senão uma conversa livre e espontânea em que se apresentam desejos, agradecimentos, conquistas, fracassos? Nossa experiência com Deus não deve ter uma característica unilateral, mas sim, bilateral, afinal, ambas as partes se comunicam e se complementam.
A experiência de Jesus com seu Pai é justamente pautada nesta constante revelação de que Deus é um bom companheiro, que olha e se faz presente, escuta, acompanha e acolhe seus filhos e filhas. Mas como eu me apercebo nesta relação com Deus? Como estou? Será que estou como os discípulos que chegam a ter consciência de que não sabem orar? Ora, se conseguirmos perceber o que ainda não percebemos, já teremos dado um grande passo para nossa vida espiritual.
Você já imaginou se nossa experiência de escuta fosse tão íntima e profunda, a ponto de escutarmos a resposta de Deus a mim e a ti quando rezamos, por exemplo?
Imagine Deus te dizendo: “meu filho, eu te escuto e percebo tua liberdade quando confias em minha vontade, sei das tuas preocupações e agitações diárias, sei do teu nome e da tua história; não te desamparo, por isso, te providencio o Pão diário na certeza e esperança que partilharas com meus outros filhos e filhas, teus irmãos. Saibas querido filho e filha que te perdôo das tuas fragilidades, teus desacertos, tuas descobertas, antes de cometeres quaisquer delito e antes mesmo de seres perdoado pelos outros que tu ofendes. Sabes que estou junto a ti e não te permito que caias nas tentações cotidianas, mas que sejas muitas vezes capaz de te reconhecer em tua história, para que assim a queda não seja o essencial, mas a coragem de reerguer-se. Filho e filha tenha a consciência de que eu não te abandono e que te livro de tudo que causa morte, opressão e dor. Que mesmo na terra bem como no céus tenhas a certeza e a confiança de que não estás só”.
Já imaginastes escutar de maneira consoladora a voz de Deus? Como um amigo que muitas vezes nos despe com suas verdades, noutras nos protege com seus abraços e silenciosa presença? Assim deverá ser nossa vida, nossa relação com Deus: amistosa, tranquila, recheada de verdades e cuidados. Uma relação na qual o amor transite porque ela é toda amor. Deus só pode nos amar!
[1] Rocélio Silva Alves, Padre diocesano (Tianguá-Ce); Bacharel em Filosofia e Teologia; Especialista em Juventude no Mundo Contemporâneo; Atualmente residente em Belo Horizonte, onde cursa o mestrado em Filosofia da Religião, pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE). Colaborou com a assessoria da PJ no Regional Nordeste I no Ceará.