Existe entre nós e vocês um grande abismo
26º domingo do tempo comum.
1° leitura: Am 6,1a.4-7
Salmo 145
2° leitura: 1Tm 6,11-16
Evangelho: Lc 16,19-31
Um caminho rumo à sobriedade: assim é a proposta da liturgia deste final de semana. Há uma pauta contundente marcando a postura dos/as seguidores/as de Javé e depois dos/as cristãos/ãs.
O profeta Amós diz que “ai dos que estão tranquilos em Sião e se sentem seguros nos montes de Samaria”! Ele segue dizendo do esbanjamento realizado por uma elite que está a serviço do rei. Amós é profeta camponês, atua no Reino do Norte e se contrapõe à lógica vigente no reinado de Jeroboão II. Mas quantos hoje ainda não mantem a mesma prática de que estando no poder comem e bebem do bom e do melhor e nos melhores restaurantes, ostentam luxo, mordomias e seletividades, sem se preocupar com os/as demais?
Amós (3, 9b-10) fala que nas montanhas da Samaria há desordens e oprimidos em seu meio. Que lá, não sabem viver com honestidade aqueles que em seus palácios acumulam violência e opressão.
São Paulo orientando a comunidade de Timóteo lhes diz para fugir destas coisas, uma vez que são homens e mulheres de Deus, e aconselha ainda, que procurem a justiça, a piedade, a fé, o amor, a perseverança e a bondade. Não seria loucura pensar nisto nos dias atuais? É a loucura daqueles/as que seguem o Evangelho.
Parece que outrora e ainda hoje, percebemos dois projetos antagônicos. Num, o poder a todo custo, um “Estado” que privilegia os interesses pessoais, a acumulação de dinheiro, o status de alguns. No outro, a fé que leva para o caminho da coletividade, onde ninguém é melhor que o/a outro/a, onde o Deus não é o dinheiro e o poder é serviço. Naquele as relações são utilitárias, já neste, elas são fraternas.
Em qual projeto estamos? São Paulo nos convida ao bom combate, que é viver a radicalidade do Evangelho. Neste contexto atual, parece quase impossível viver isso, mas é necessário, seja pelas relações humanas, seja pelo cuidado com nossa Casa Comum. Ele ainda diz que é assim que conquistaremos a vida eterna, para o qual fomos chamados/as, mas vale lembrar que Jesus nos disse que Ele veio para que todos/as tenham vida, e a tenham em abundância (conf Jo 10, 10b).
O Reino pregado por Jesus é mesmo conflitante com a proposta ainda vigente na sociedade. Na estória deste final se semana, contada pelo Moreno de Nazaré e rememorada pela comunidade lucana, a dicotomia entre pobres e ricos é evidenciada. Não seja esta história uma justificação para os sofrimentos na terra em virtude de uma possível vida no céu. Ela, a estória, evidencia um abismo que não está apenas na eternidade, mas que está visivelmente na nossa vida humana: um rico que dava festas todos os dias e um pobre, ferido, que mesmo estando a sua porta, não conseguia se quer as migalhas do banquete dos ricos, o resto… Quantas pessoas são invisibilizadas em nossa sociedade? Quantos não conseguem as migalhas? Quantos passaram a ter migalhas e hoje são tidas como vagabundas… e o pior, parece que nem estas vão ter mais… Um dado interessante é que o cachorro via Lázaro e lhe lambia as feridas… Sabia que há aí um processo curativo? Outras leituras aqui podem ser feitas na perspectiva da Casa Comum, de uma espiritualidade ecológica…
O capítulo 16 de Lucas todo trabalha questões relacionadas ao dinheiro. Cabe lembrar que Lucas escreve para comunidades cristãs urbanas dentro do Império Romano. O Papa Francisco já nos alerta que “não há duas crises separadas, uma ambiental e outra social, mas uma única e complexa crise socioambiental” [i]. Como enfrentar estas questões hoje, em nosso contexto urbanizado e com um capitalismo exacerbado? O final da estória nos dá uma dica: que escutemos Moisés e os profetas. Depois da caminha de libertação liderada por Moisés, o povo de Deus viveu um período forte em sua experiência de fé: o Tribalismo. Devemos conhecer mais esta experiência. Depois do período tribal, a organização do povo passa ser a Monarquia e os profetas, como Amós na primeira leitura, vão criticar veementemente este modelo e suas consequências.
O rico, o pobre e o abismo que existe entre eles, símbolo de uma postura antievangélica. O pobre que Jesus chama pelo nome, e nós que muitas vezes chamamos o rico pelo nome… parece dois extremos que deveriam não existir, afinal somos ou não somos COMUM—UNIDADE, e temos COMUM-UNIÃO com o Deus da vida e quer vida em abundância para TODOS/AS?
Por Pedro Caixeta
CEBI GO
Coordenador Nacional da PJ (2006 – 2009)
[i] Laudato Si: sobre o cuidado da Casa Comum.