Corpo de Deus – gramática da fé e da vida!

por Padre Maicon A. Malacarne

“Cada um de vós pode ser sacerdote” é a expressão que ilumina a vida de Daniel, protagonista do filme polonês “Corpus Christi – a redenção”. A frase é dita pelo capelão durante uma missa em um centro de reabilitação onde Daniel está preso. Ele sente vontade de ser padre, mas não pode ser aceito pela vida desmedida que leva. Quando Daniel foi enviado a trabalhar numa pequena comunidade do interior da Polônia, pelas circunstâncias e adoecimento do pároco, acabou por substituí-lo. A posição “enganosa” não durou para sempre, mas as homilias das missas e a forma como Daniel conduziu o povo, deixaram a marca da transformação naquela comunidade. A história baseada em fatos reais e escrita por Jam Komasa chegou ao Vaticano pelo questionamento da validade dos sacramentos. Nas contradições da vida, Daniel mirou sua vida na direção de Jesus. Várias vezes o filme mostra-o fixado em um crucifixo.

O filme reforça (num roteiro nada normal) aquilo que pelo batismo recebemos: a missão de sermos celebrantes do mundo – sacerdotes e sacerdotisas. A solenidade de Corpus Christi é uma recordação da oferta que foi a vida de Jesus e o compromisso nosso, cristão-celebrantes, de nos tornamos um ofertório vivo e cotidiano.

Nós nascemos da Eucaristia. Nós renascemos da Eucaristia. Ela é aquilo de mais fundamental da vida cristã. O tempo pandêmico fez aflorar uma série de transmissões de missas, no entanto, é preciso clareza e precisão: A Eucaristia é o sacramento da presença real de Jesus. A Igreja é a assembléia dos que estão em comunhão. Sinal dessa comunhão é a Eucaristia. Nada substitui a presença, a vida comunitária, o encontro em torno da Mesa. Assistir a missa de casa não troca a necessidade de corpos que se encontram em torno do Corpo de Cristo. Obviamente que no meio dessa pandemia, guardamos esse desejo do retorno a assembléia reunida, em nome do bem comum, como um deserto cheio de sentido e de abertura a conversão.

A pergunta feita pelas comunidades do Evangelho de João é desconcertante: “como é que ele pode dar a sua carne a comer?” (6,52). Em torno da mesa, lugar da experiência fundamental do comer (e que desde o ventre da mãe não deixa de ser uma experiência do amor) é que descobrimos que a Eucaristia não é “uma migalha” de Jesus. Não é uma mágica. Na Mesa da Eucaristia está Jesus inteiro. Na comunidade reunida está Jesus inteiro. Não importa o tamanho ou a quantidade. Celebrar o Corpo de Deus é direcionar nossa vida a essa inteireza do discipulado de Jesus. Não é possível adorar a Cristo sem tornar a vida uma Eucaristia, como já diziam os padres da Igreja – uma vida eucaristizada.

Jesus esteve muitas vezes à mesa. Os evangelhos guardaram várias dessas experiências de Jesus, da casa, da mesa. A última ceia e o pedido conclusivo: “fazei isso em memória de mim”, retoma o convite a tomar consciência de Deus que habita em nós, na memória e na atualização de cada celebração e no encontro comunitário. Experimentar essa graça é ir adquirindo a capacidade de ofertar-se: na mesa do cotidiano e na mesa da Eucaristia, onde contemplamos uma beleza inédita, uma vida que se torna Cálice e Pão de uma oferta amorosa. A peregrinação de Corpus Christi para dentro de nós mesmos é a mais difícil. Quiçá descubramos ali o tapete mais bonito, não o tradicionalmente confeccionado nas ruas, mas desenhado pela gramática do nosso coração e da nossa vida.

Celebremos com muita disposição o Corpo de Deus, “o eterno Descobrimento
e o eterno Crescimento
”, como rezou Teilhard de Chardin.

Padre Maicon A. Malacarne é coordenador da Ação Evangelizadora da Diocese de Erexim/RS e foi membro da Comissão Nacional de Assessores da PJ entre 2017 e 2020.

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