Na memória de Margarida Alves, celebramos o dia de luta contra a violência no campo
CORDEL – MARGARIDA MARIA ALVES
Walter Medeiros
“Tendo por asas sua voz / Mais parecia um albatroz /Combatendo a tempestade.”
Medeiros Braga
Talhada para os entraves,
Pra ser mártir, pra lutar,
Margarida Maria Alves
Foi uma mulher exemplar.
Não se afrontando com nada,
Já nasceu predestinada
Para a extorsão arrostar.
Ela foi a presidente
Do aguerrido SINDICATO
DOS TRABALHADOES RURAIS
Onde havia um patronato
De prática abominável
Que reagia, implacável,
Do grito ao assassinato.
Ficava em Alagoa Grande,
Lá no brejo paraibano.
No centro canavieiro
De muito usineiro insano
Cujo dinheiro que iça
Dita o poder e a justiça
No molde mais desumano;
Até aí, tais poderosos
Davam a palavra final.
E o fim do trabalhador
Do meio do canavial
Que ousasse reclamar,
Seria, sem perdoar,
Chicote, tiro, punhal.
As carteiras de trabalho
Eram poucas assinadas,
Não se pagava o salário
Das convenções acordadas.
Roubados em barracões
E na vara de medições
Das tarefas trabalhadas.
Nos canaviais não havia
Morada em nenhum lugar,
Nem uma sombra de árvore
Pra se poder descansar…
Em estacas enterradas
Redes à noite eram armadas
A céu aberto, ao luar.
As águas para o consumo
Eram todas poluídas,
Pelos próprios agro-tóxicos
E o uso de inseticidas
Que desciam nas aguadas
Para os rios, e retiradas
Sendo, em tudo, consumidas.
Foi ela grande guerreira
Que rebelou-se à vildade,
Da coragem era a bandeira
Sem medo à adversidade.
Tendo por asas sua voz
Mais parecia um albatroz
Enfrentando a tempestade.
Foi uma líder sindical
Determinada, aguerrida,
No meio do canavial
Pondo em risco sua vida
Lá estava conscientizando,
Com paciência, educando,
Toda uma classe sofrida.
Foi ela para a criança
O sonífero do gemido,
Para as mães uma lembrança
De um sonho já esquecido…
E para os trabalhadores
O analgésico das dores
Que sente um ser oprimido.
Na entidade abria escolas,
Contratava educadores,
Comprava livros, sacolas,
Para os seus trabalhadores
Onde se aprendia o ABC
E as condições de entender
As causas dos seus horrores.
Onde havia trabalhadores
Levava pra o sindicato,
Convencia do seu valor
E da injustiça o seu ato;
Do viver só trabalhando
E muitas vezes faltando
Os alimentos no prato.
No meio dos canaviais
Estava lá Margarida
Dando lições sindicais
Àquela gente excluída.
Indiferente pra sinas
Ela entrava nas usinas
Pondo em risco a própria vida.
Repetia da exploração
Que as energias consome
Provocando a inanição
De quem, raramente, come
“Que é preferível, marchando,
A gente morrer lutando
Do que morrer pela fome.”
Lutar por melhor salário
E por um taco de terra,
Quando o latifundiário
Por todos meios a emperra,
Passou a ser a bandeira
Dessa brava companheira
Dos que sofriam tal guerra.
Se não há reforma agrária
Muita gente peregrina
A pecorrer muitas áreas
Pelos vales e campinas.
Ao pobre, sem grau de estudo
O destino é acabar tudo
Nas sarjetas das usinas.
E, assim, o trabalhador
Procurou se organizar
E da união, com fervor,
Começou, pois, a falar…
E com um poder coletivo
Passou, então, combativo
Seu direito a reclamar.
À medida que discutia
Mais aprendia a lição;
Dos deveres que, só, via
Enxergou outra versão…
E conhecendo o direito
Com o pé no chão, mais afeito,
Começou a dizer não.
E o sindicato crescia,
Cresciam as reclamações,
A justiça, então, se enchia
Com as inúmeras ações…
E do firme crescimento
Vinha o descontentamento
Que enfurecia os patrões.
E surgiram as tentativas
De procurar suborna-la,
Com respostas negativas
Se passou a ameaça-la.
Mas, leal aos canavieiros
Não curvou-se aos usineiros
Nem intimidou-lhe a bala.
Da agitação que se encerra
Surgiam novas conquistas,
Dois hectares de terra
Cediam seus altruístas…
Tinha o operário a rocinha
E algum dinheiro que vinha
Das vitórias trabalhistas.
Não podendo mais conter
O crescimento da luta,
Outra forma de poder
Tão violenta e astuta
Maquinaram uns usineiros
Ao contratar pistoleiros
Pra por um fim à disputa.
E em certa boca-de-noite,
Na sua casa, Margarida,
Ao atender num açoite,
U’a pessoa desconhecida
Com uma “doze” apontada
Pra seu rosto, engatilhada,
Foi, mortal, surpreendida.
Essa mulher corajosa
Que era bem propositada,
De forma mais tenebrosa
Foi, covarde, assassinada,
E até hoje nenhum mentor,
Quer mandante ou matador
Teve a pena computada.
A ganância da riqueza
Com o domínio do poder,
Revelando uma fraqueza
Para o controle manter,
Não encontrou outra saída
Que não fosse Margarida
Vir a desaparecer.
Deu-se em Alagoa Grande
A mesma tática de Canudos,
Ou a prática de Palmares
Do aniquilamento de tudo
Que viesse a ser a premissa
Da função de uma justiça
Reposta com seus escudos.
É isso a democracia
Nos moldes capitalistas,
Quando o poder se asfixia
E segue a justiça as pistas,
Lançam mão os poderosos
Dos atos mais criminosos
Pra calar sindicalistas.
Porém, mesmo com a morte
Sua voz não se calou,
O movimento mais forte
Em Alagoa Grande ficou;
Pois, pela primeira vez
Na história ali, um burguês
Num banco de réu sentou.
Mas, as sentenças, as cenas
Foram armações para circo,
Uma satisfação apenas
Cumprindo um rito jurídico…
Com leis feitas de encomenda
Só abre a justiça a tenda
Para acolher ao mais rico.
Fonte: http://www.rnsites.com.br/cordeis-margarida.htm