Carta da PJ ao Congresso Nacional da CPT
Chapecó/SC, 15 de julho de 2015
“Faz escuro, mas eu canto”
Queridas companheiras e queridos companheiros da CPT que estão nas terras de Rondônia,
Cantar, mesmo quando é escuro, é um ato de extremo amor, de esperança, de resistência. Soa como grito, vindo de baixo, que denuncia a opressão. Cantar quando é escuro nos faz lembrar de uma das três flores da esperança zapatista, oferecidas ao mundo desde o sudoeste mexicano. Essa flor fala da procura pela liberdade, vista como o amanhecer, onde “alguns o esperam dormindo, outros acordam e caminham durante a noite para alcançá-lo”, mas os zapatistas – e as sonhadoras e sonhadores do mundo todo – são “viciados em insônia, e deixam a História desesperada”. Caminhar na escuridão da noite, na procura e na construção da liberdade, é muito ousado; e caminhar cantando, com vozes afinadas ou não, é a certeza de que os passos são ritmados, os corações embalados, e que estarão juntos quando o sol raiar!
É muito grande a contribuição que a Comissão Pastoral da Terra deu e dá para a profecia e compromisso da Igreja, que deu e dá para a história do Brasil e da América Latina na luta pela terra, e no entender ela como um direito sagrado e inalienável, que se torna difícil de a mensurar. A CPT, na dinâmica do semeador que prepara a terra para receber a boa semente, nos ensina sobre o processo do tempo e do zelo para se ter o bom fruto. Mais que isso: que a terra, a boa semente e o bom fruto precisam ser repartidos e comungados para que tenham sabor de vida.
Há poucos dias estivemos reunidas e reunidos com o papa Francisco, na Bolívia. Várias vezes ele frisou a necessidade de uma nova ordem econômica, onde os povos sejam os protagonistas da mudança. Francisco falou que “a globalização da esperança, que nasce dos povos e cresce entre os pobres, precisa substituir a globalização da exclusão e da indiferença”.
Além da esperança, as camponesas e os camponeses trazem em sua identidade e essência, assim como os povos tradicionais, soluções para a crise econômica, social e ambiental instalada por este sistema. Nessa urgência, a CPT, por ser uma organização que educa para a autonomia, tem papel fundamental nesse processo.
Queremos falar dos “vendavais de esperança” que o papa Francisco nos deseja. Queremos falar dos sonhos, dos cuidados, dos tempos, da luta, da História, do Reino. Mas também queremos falar e provocar os olhares para a juventude do campo, e a do campo que está na cidade; e assim, queremos denunciar esse sistema que desconstrói a identidade camponesa de muitas e muitos jovens, que furta delas e deles a alternativa de permanência no campo, os forçando a migrar para centros urbanos. Lá, desprovidas e desprovidos de formação profissional, se sujeitam a empregos não muito dignos, e forçados nos processos de produção. Infelizmente, isso não é coisa do passado…
Falando em trabalho, desejamos que vocês sigam firmes também na luta contra o trabalho escravo no campo, denunciando nominalmente quem escraviza, e pressionando para que sejam punidos. Que o rosto dessas escravas e desses escravos, excluídas e excluídos de políticas públicas que dignificam e incluam, sejam visibilizados e saiam dos anonimatos das condições que os tomam; que sejam vistos e reconhecidos como rostos do Cristo sofrido e marginalizado.
“Nenhum camponês sem terra; nenhum trabalhador sem direitos; nenhuma família sem teto” é o que conclama Francisco. Tarefa difícil, mas não impossível. Lutar pela terra, pelo trabalho digno e pela moradia, com bases numa fé revolucionária, é a certeza da construção da terra prometida!
Dom José Gomes, que presidiu a CPT nos anos 80, dizia: “Coragem, toca pra frente!”. Tocar em frente e cantar na escuridão… Nada mal para quem quer nada menos que o Reino. Pois bem, companheiras e companheiros: que cantemos juntas e juntos!
A cada uma e a cada um, seguem fraternos abraços, carregados de esperança!
Aline Ogliari, Secretária Nacional da Pastoral da Juventude