Correr e acreditar: movimentos de um coração que deixa brotar a esperança pascal
Por Ir. Joilson Toledo
Os discípulos da primeira hora fizeram uma experiência tão intensa, que é muito difícil de traduzir em palavras. Na liturgia tentamos materializar proclamando e cantando: “o Senhor ressuscitou, aleluia!”. Esta experiência lança uma luz que possibilitou reler não somente a história de Jesus de Nazaré e dos que conviveram com Ele, mas toda a caminhada da humanidade e a existência de cada um de nós. O pregador itinerante, que conviveu com os excluídos de seu tempo, que falava do Reino de Deus e do Deus do Reino, que foi morto a partir de uma estrutura corrupta e violenta de Estado… Ele ressuscitou. Não só Ele venceu a morte, mas n’Ele a vida vence a morte. Ele é a palavra mais profunda, decisiva e bonita de Deus sobre a história.
Mas o que significa celebrar a ressurreição, a Páscoa em meio a uma pandemia, que no Brasil já matou mais de 320 mil pessoas? Que no mês de março passado foram mais de 66 mil mortos, onde houve dias em que morreram mais de um brasileiro a cada 30 segundos devido a Covid-19. Um período em que o desemprego, a fome e a ausência de horizontes ronda tantas famílias. É neste contexto que iniciamos o tempo pascal. Num período tão carente de “passagens da morte para a vida” (Páscoa) celebramos uma das mais intensas experiências de fé dos discípulos de Jesus.
Na primeira leitura temos um fragmento dos Atos dos Apóstolos (At 10, 34.37-43) que testemunha a partir da experiência da comunidade lucana (ele junto com o Evangelho de Lucas, na origem, era um livro só), pregação das primeiras comunidades. Pedro e Paulo são dois personagens que de alguma forma estruturam o livro. No capítulo dez temos na boca de Pedro a profissão de fé da segunda geração de cristãos (At 10, 37-40). Retoma o impacto que a ação de Jesus teve com seus contemporâneos (At 10, 38); que sua morte foi fruto de uma trama desonesta de lideranças políticas e religiosas (At 10, 39). Contudo, diante da fidelidade de Jesus a resposta é a vida: a ressurreição (At 10, 40) e seus discípulos experienciaram também (At 10, 41). O anúncio de seus seguidores é consequência disso. Eles se entendem testemunhas de Jesus. (At 10, 42). E a comunidade entende que quem acolhe esta certeza de fé é convidado para um jeito de viver ressuscitado (At 10, 43). Você e eu partilhamos desta experiência? Como nos toca a pessoa e o projeto de Jesus? A experiência de ser perdoado por Deus faz de você uma pessoa de misericórdia?
Na segunda leitura (Cl 3, 1-4), uma comunidade animada por discípulos de Paulo, da cidade de Colossos apresenta sua convicção da novidade que o Evangelho nos convida a viver. É um texto inspirado na liturgia do batismo (Cl 3,1). Aqui temos a dimensão ética da fé. Ao mesmo tempo a comunidade entende que o que é proposto para nós é mais do que um momento (Cl 3, 4). É um processo, um caminho para a vida inteira, que só se completará na plenitude em Cristo. Na fé um discípulo de Jesus acredita que sua vida é ir a cada passo configurando sua vida e escolhas ao Ressuscitado. Por isso a pergunta não é simplesmente se já vivemos com o ressuscitado, mas como está nosso caminho? Como está o seu projeto de vida? Que passos tem dado?
No Evangelho temos a experiência da ressurreição a partir da comunidade joanina (Jo 20, 1-9). Junto com as aparições do Ressuscitado para os primeiros cristãos o túmulo vazio era também um sinal. O texto começa com imagens e sequências que estão também presente nos outros evangelhos (Mt 28,1-10; Mc 16, 1-8; Lc 24, 1-12). A expressão “primeiro dia da semana” remete ao “domingo”, “dominus”, “dia do Senhor”. No dia em que o Senhor ressuscitou já as primeiras comunidades celebravam sua fé. A aurora, o amanhecer, a luz vencendo as trevas, também é um sinal da ressureição. Maria Madalena, como as outras mulheres que aparecem nos outros Evangelhos (Mt 27, 61.28, 1; Mc 15, 47-16, 1; Lc 23, 55) nos deixam entrever não só a presença feminina entre os discípulos de Jesus, mas o que alguns estudiosos chamam de “discipulado de iguais”. No seguimento de Jesus, mulheres e homens são convidados a viver como ressuscitados e por isso construir relações de fraternidade, sororidade e equidade. Na expressão “Tiraram o Senhor do túmulo e não sabemos onde o colocaram” (Jo 20, 2) teríamos uma alusão a Ct 3,1-4. 5, 2-8? O amor nos coloca numa atitude de busca e de urgência…
No Evangelho de João por vezes as falas e posturas dos apóstolos concretizam no pensamento a diversidade e o conflito entre concepções das comunidades cristãs no final do primeiro século da era cristã. A corrida entre os dois discípulos (Jo 20, 3-4) e na espera do “outro discípulo” por Pedro (Jo 20, 5-8) temos a experiência já presente na fé dos cristãos no primeiro século da “importância de figura de Pedro”. No entanto, ele vê simplesmente. Enxerga os sinais, mas estes não lhe trazem nenhum impacto, não lhe falam nada. Já o discípulo amado, corre na frente, espera Pedro. Vê e acredita (Jo 20, 8). Nesta sequência é possível reconhecer uma divergência de visões entre comunidades. A “comunidade do discípulo amado” se entende como um grupo que funda sua experiência no amor. O texto continua afirmando que eles ainda não tinham entendido que Jesus devia ressuscitar (Jo 20, 9).
No discípulo que corre na frente podemos contemplar a pressa de quem ama. A experiência pascal, a busca por sinais da ressurreição é um convite a viver com urgência. A caminhar “de pressa, mas em paz”. Mas não basta ter pressa é preciso deixar que os sinais nos falem. Urgência e sentido, entrega e intensidade são expressões de um mesmo amor, de uma mesma esperança que brota da ressurreição. Lógicas e visões são reorganizadas numa esperança que desafia/enfrenta os sinais de morte.
Nestes tempos difíceis de tantas notícias de morte somos convidados a contemplar “os sepulcros vazios” e ler “os sinais”. Nesta primeira semana da Páscoa guarde um tempo para ler os sinais: quais sepulcros vazios, faixas de pano e lençóis enrolados você tem diante dos olhos? Por vezes você e eu vemos os sinais, mas eles não dizem nada. A esperança cristã nos provoca uma reeducação do olhar…
É a leitura dos sinais que encontramos o sentido das “urgências” e “correrias” que vivemos. Em especial, esta semana é tempo de pedir o dom da “compreensão” da experiência da ressurreição e suas consequências. Ela não é só um fato da vida de Jesus. É uma luz sobre toda história. Fala de quem Ele é, mas também de quem nós somos e de quem somos chamados a ver. Fala do sentido de “tanta correria”. Fala do que vemos e do que conseguimos reconhecer.
Ir. Joilson Toledo é marista, mestre em Ciências da Religião e atua na assessoria da PJ na Arquidiocese do Rio de Janeiro.