“Ser livre para”: dom a ser pedido, tarefa a ser assumida pelos(as) discípulos(as) de Jesus
Por Ir. Joilson Toledo
Os textos bíblicos deste domingo nos colocam diante de um desafio do “incômodo” que reside no coração humano em relação a tudo o que nos aprisiona. Temos sede de infinito, como escreveu Clarice Lispector: “Liberdade é pouco. O que eu quero ainda não tem nome”. Daí nosso desconforto com o que nos confina enquanto pessoa humana. Contudo, para os discípulos de Jesus, a liberdade é compromisso de libertar. A vida é dom a ser multiplicado. Como aconteceu com Jesus, seus discípulos devem trazer vida por todos os lugares que andam (Mc 1, 31-34; 1Cor 9, 19).
Na primeira leitura (Jó 7, 1-4.6-7), temos na boca de Jó o questionamento a uma religiosidade que propõe a resignação. Por isso, o autor apresenta uma reflexão sobre a condição humana. Como você enxerga sua vida? Como acolhe as fragilidades próprias da condição humana? Ao mesmo tempo, você consegue assumir uma postura de esperança e ir além da resignação?
Na segunda leitura (1Cor 9, 16-19.22-23), temos Paulo num diálogo com a Comunidade de Corinto, em que o apóstolo apresenta o lugar do anúncio do Evangelho em sua vida (1 Cor 9, 16). Isso faz a gente pensar o lugar do Evangelho na vida de cada um de nós. Eu e você podemos dizer: “Ai de nós se não anunciarmos o Evangelho”? Sentimo-nos alcançados pela misericórdia de Deus de tal forma que entendemos nosso lugar no mundo e ajudamos as outras pessoas a experienciarem isso também? Estamos dispostos a sair do nosso lugar de conforto para que mais gente faça a experiência do quanto Deus nos ama (1Cor 9, 19)? O que estamos dispostos a viver e fazer por causa disso (1 Cor 9, 22-23)?
Chegando ao Evangelho do dia, nos defrontamos com um trecho do primeiro capítulo de Marcos. Iniciando sua vida pública, ainda nos arredores de Cafarnaum, contemplamos o jeito de ser de Jesus e as consequências de sua presença (Mc 1, 14-7, 23). Em Jesus, o Reino de Deus chega (Mc 1, 15). Onde Jesus está presente, o mau é vencido (Mc 1, 34).
Este trecho retrata um dia típico da ação de Jesus. Ele caminha com os primeiros discípulos (Mc 1, 29), se defronta com o sofrimento dos seus (Mc 1, 30), com pessoas que, pelas circunstâncias da vida (sinalizadas nas doenças), estão impedidas de viver em plenitude (Mc 1, 32). Na cura da sogra de Pedro (1, 29-31) encontramos traços fundamentais do seguimento de Jesus. Ele e seus discípulos se apercebem das dores dos que os cercam (Mc 1, 30). Você é capaz de olhar/notar o “estado” das pessoas ao seu redor? O processo da cura tem dois gestos emblemáticos: tomar pela mão e levantar. Sinais da ressurreição. Num gesto simples, vemos que, em Jesus, a vida vence a morte. Por outro lado, a sogra de Pedro, uma vez curada, se põe a serviço (Mc 1, 31). Eu e você, ao nos sentirmos alcançados pelo amor de Deus, o que fazemos? A que nos disponibilizamos a servir? O seguimento de Jesus é um convite a ser livre “para” e não ser livre “de”. Nossa liberdade deve transbordar em gestos de serviço. Só está vivo quem gera vida por onde passa e/ou onde está.
Em Mc 1, 32-39 temos um pequeno resumo da atividade de Jesus. Depois do descanso sabático, ao pôr do sol, trazem a Jesus pessoas a serem curadas (Mc 1, 32). Para o povo de Israel, estas curas são vistas como sinais da ação, presença, reinado de Deus (Mc 6, 13; 4, 1-41; Is 29,18-21; 35, 1-10). Os demônios que sabem fazem parte de um esquema de pensamento de Marcos (Mc 1, 34). Confessar o senhorio de Cristo é algo dos de dentro das comunidades.
Jesus não se prende à fama fácil (Mc 1, 38). Não só nos convida à liberdade, mas ele mesmo é livre. Coloca-se numa atitude itinerante, em saída (Mc 1, 38-39). Se apresenta como um profeta itinerante (Mc 1,16.28.38). Todos buscam a Jesus no desejo de alcançar a saúde física e mental (Mc 1, 32); a presença de Jesus deixa “um rastro” de pessoas livres e saudáveis. E nós, que nos dizemos seus discípulos? Além daqueles a quem atendemos hoje, a quem devemos ir?
Mas o que significaria meditar este texto bíblico em meio a uma pandemia, onde já se contam os mortos em centenas de milhares? Se eu e você nos colocarmos no lugar da sogra de Pedro, que faz de sua condição saudável a disponibilidade de servir ao mestre, quais sentimentos e apelos emergem em nossos corações? Eu e você agimos de forma responsável diante das medidas de isolamento social e de higienização das mãos para sermos portadores da vida e não da morte? Nossa presença enquanto cristãos é uma presença que gera vida, que defende a vida? Ou nos perdemos em cabos de guerra que são simplesmente afirmação de ego?
Que o seguimento de Jesus nos faça cada dia mais “saudáveis”, inteiros, e que essa experiência transborde num serviço itinerante, capaz de ser e levar uma palavra de vida. Já estamos no segundo mês de 2021, e há quase um ano do início das medidas de isolamento social. Que eu e você possamos contribuir para que os discípulos de Jesus se encontrem com os que buscam caminhos para defender, garantir e transmitir a vida.
*É Irmão Marista. Possui Mestrado em Ciências da Religião. Atua na assessoria da PJ na arquidiocese do Rio de Janeiro.