O OUTRO MUNDO POSSÍVEL SEJA UM DIA O MUNDO REAL DE NOSSAS VIDAS!
Alguns passos pelos caminhos de uma outra educação
idéias para tornar um pouco mais esperançosamente integral o que chamamos de "educação integral"
1. Descolonizar a educação da pedagogia e, mais ainda, do pedagogismo. Não permitir que a educação seja pensada apenas como algo entre a ciência-e-a-técnica. Relativizar o seu teor dominante de uma tardia e limitante escolha didático-científico – o que se resolve no "prosaico", lembrado por Edgar Morin – em nome de uma vocação equilibradamente dialógico-poética. Ou mesmo "poiética". Poetizar a educação e poietizar a escola.
2. Des-apressar o aprender. Retardar o que-saber em nome do como-viver. Retardar progressões escolares e abrir mais tempo ao poético por oposição ao prosaico (Edgar Morin), ao devaneio por oposição ao conceitual (Gaston Bachelard), ao dialógico (Paulo Freire), por oposição ao monológico (sobretudo o regido por apresentações previsíveis e pré-estabelecidas, via data-show), ao poiético = construir a poesia-de-si-mesmo, por oposição ao pragmático = instruir-se para construir apenas coisas.
3. Recriar o direito ao improviso, ao imprevisível, ao criativo, remando contra o pré-estabelecido, o previsível, o previsível. Conspirar contra a mecanização do ensinar, como a que se estabelece em cima de programas de curso rigidamente pré-montados e empacotados. Retomar as aulas e diálogos em cima de roteiros fluidos a serem construídos no memento da aula ou da fala. Relativizar (muito) o primado crescente das aulas data-show em que um saber criativo e elaborado no momento do ensinar-aprender, com pleno direito ao improviso de parte do professor e de alunos e retomar a aula em que a fala de parte a parte constrói o seu saber ou invés de trazer a sua informação pronta, repetitiva e não aberta à criação do debate e da descoberta do saber no ato do aprender.
4. Abolir ou reduzir o quanto for possível as competições e as concorrências. A escola não é um estádio e nem a educação é uma olimpíada. Reduzir muito ou eliminar competições e “ranquicisações” em nome de uma escola de partilhas e construções coletivas e não comparáveis em termos de escalas e hierarquias. Relativizar a individualização competitiva em favor de uma individuação (Jung) cooperativa. Abolir ou reduzir muito as premiações excludentes (nos pódios sempre só cabem três), os “quadros de honra”, os “primeiros colocados” e o silêncio a respeito de “todos os outros”.
5. Repensar a pedagogia como a arte de criar, gerar, partilhar e fazer circular saberes; de desafiar a aprender e integrar conhecimentos, de oferecer apenas de forma complementar e acessória asinformações (subordinadas a conhecimentos e saberes) solidária e coletivamente. Aprender é criar saberes junto, para depois interiorizar a sua parte do saber coletivamente construído.
Retomar a trajetória que vai da informação (o que se adquire e acumula sem reflexão e partilha), oconhecimento (aquilo que interioriza em um diálogo reflexivo e crítico com outros, entre e presenças) e chega ao saber (aquilo que se cria apenas em situações de partilha e que flui entre todos, sem ser uma posse de ninguém).
6. Centrar o processo do ensino-aprendizagem no “acontecer do aprender” em equipes e no entre-nós, a pessoa-com-os-outros e não no indivíduo contra os outros e à margem da equipe, da turma.
7. Re-vivenciar a experiência do aprender como um trabalho também sobre a reminiscência (a anamnese), a lembrança do vivo, a memória do partilhado em interação com o acontecendo aqui-e-agora. Fazer o foco do ensinar-aprender partir não apenas de um concreto-abstrato dominado pelo professor e pela rotina de um “programa. Mas de situações pessoais e interativas vividas e pensadas pelos alunos desde a experiência de momentos-foco de vidas cotidianas. Se isto é feito com terapias que pretendem partir do e atingir o âmago da vida interior de pessoas, porque não fazer o mesmo com a educação. Uma educação que só pode pretender ser integral e transdisciplinar se tomar como ponto de partida o núcleo pessoal dialogável de cada um e de todos os seus participantes.
8. Recolocar o foco da educação – sem temor algum – naquilo que até a algum tempo atrás era chamado de “espiritualidade” (entre Teilhard de Chardin e Foucault), de “vida interior”; de “busca pessoal e interativa do bem, do belo e do verdadeiro (Platão o Gardner). (Quem tiver dúvidas sobre o valor disto, ler com atenção o curso sobre A Hermenêutica do Sujeito, dado por Foucault no Collége de France).
Relativizar muito a tendência crescente a funcionalizar a educação para capacitar o competente-e-produtivo, em nome de re-humanizar a educação para formar o consciente-criativo. Recolocar no foco da educação o diálogo constante da comunidade aprendente com não apenas a “informação útil e disponível (como o “inglês funcional, para aprender a falar com máquinas e com empresários), mas o saber transbordante e difícil (como aprender inglês para ler Shakespeare e Frost). Menos fragmentos de poesia-instrumental para ensinar gramática-funcional e mais gramática-profunda para preparar leitores atentos e maravilhados a Cecília Meireles e João Guimarães Rosa.
9. Realizar de fato – e não apenas nas teorias dos simpósios e congressos sobre transdisciplinaridade – interações "de igual para igual" entre a arte, a filosofia, a espiritualidade e a ciência. Criar currículos em que a música recobre o se lugar na sala de aula e dialogo por igual com a matemática, a dança com a geografia e a poesia com o ensino de “língua pátria”. Se necessário, aprender com Leonardo da Vinci, Gaston Bachelard, Roland Barthes, Antônio Cândido que a arte não é um saber ocioso destinado a horas de recreio, ou para atividades para-escolares, mas é um outro saber, talvez tão ou mais profundo e formador que as ciências… que quanto mais densas e desafiadoras, mais se aproximam do mistério, da filosofia e da arte.
10. Levar esta interação para além do meramente “transdisciplinar”, abrir-se ao todo e ao complexo da “sabedoria do mundo”. Levar a sério a proposta (sempre incipiente, sempre aos pedaços) de uma educação multiculturalista a um ponto limite. A um lugar de efetiva fronteira-de-diálogo entre os saberes-de-ciência (ocidental e acadêmica) e os saberes-outros. Realizar isto a partir do pressuposto de qualquer outro saber vindo de qualquer outra cultura é não tanto uma “forma curiosa e interessante de pensar e viver”, mas é uma outra fonte original, interativa e complexa de “lição das coisas” (Carlos Drummond de Andrade) e de compreensão do humano, da vida e do mundo apenas diferentes e em nada desigualmente “menores” do que o que culturas eruditas do ocidente produziram. Os saberes de Cambridge e Nova York ameaçam mais a nossa felicidade e a nossa sobrevivência do que o dos aymaras e os guarani.
11. A partir do saber de algumas destas tradições “de longe”, aquietar um tanto mais a educação, serenar a didática e pausar a didática. Talvez o agito das salas de aula e a violência da escolas diminua um pouco ou muito mais com a inclusão de momentos de “nada fazer” em favor de estar-na-sua, serenamente meditando ou aprendendo com aulas de Tai-Chi – onde ninguém compete com ninguém, mas cada uma se harmoniza em conjunto com outros – a tranqüilizar de dentro para fora, e do equilíbrio do corpo para o “zen” do espírito, a mente e as “energias”. Será que boa parte do que torna nossas alunas “agressivas” e as nossas escolas “violentas”, não virá de estarmos trazendo para dentro da escola a mesma lógica, a mesma ética (ou pseudo-ética) e a mesma sensibilidade do competitivo-competente de um mundo que há séculos transita entre as forças armadas e o mundo dos negócios?
12. No seu sentido mais radicalmente humano e, por isto mesmo, mais transformador, recolocar a política no centro do que se vive na escola. Primeiro o sentido de política como "cuidado da polis", a cor-responsabilidade pela gestão coletiva e amplamente participativa nos destinos de grupos humanos locais, de comunidades, da cidade, da nação e de todo o mundo.
Em segundo lugar, o sentido de política como partilha do processo de transformar pessoas (conscientizar, em Paulo Freire) para criar também a partir da escola e desde a infância, seres humanos com um sentimento e um saber de liberdade e de autonomia, logo, de partilha, participação e co-gestão ativa e solidária de processos de transformação de nossos mundos de vida e de destino.
Destinar a educação, uma educação humanista e radicalmente integral a formar sujeitos conscientes-cooperativos para a transformação humanizadora da sociedade e, não, sujeitos competentes-competitivos para a reprodução da lógica e do poder do mercado do capital.
Que ainda e sempre (ou até quando for preciso) seja em nome e a serviço dos “deserdados da Terra e da terra” =, dos pobres e dos excluídos que o nosso labor como educador esteja preferencialmente dirigido.
13. Assim sendo, associar a escola e a educação a práticas do cotidiano que em suas diferentes escalas remam contra os saberes, valores e poderes do capitalismo: a simplicidade voluntária (erigir uma vida solidariamente simples como um valor; considerar pessoas situadas á margem do mercado não como "desempregados", mas como optantes por uma vocação alternativa, etc.); a economia solidária (a partir do cotidiano da escola (onde estão neste momento os que constroem estes prédios, limpam estas salas, servem o café na cantina?); a gestão cooperativa da escola (experiências já em curso desde o passado).
14. Assim, desvestir uma educação integral de máscaras em que ela aparece como algo que apenas de leve humaniza e integra valores e fatores de uma educação dominada pela lógica do mundo dos negócios e destinada a reproduzir e reforçar o poder do capitalismo. Desde as práticas do cotidiano, pensar os termos concretos e a prática de educações libertárias, de uma educação em busca de construção de si mesma como socialista, e de seu lugar na construção de pessoas de vocação solidariamente socialista, para a construção de sociedades crescentemente socialistas.
15. Retomar a educação a uma vocação de fato mais culturalmente “natural”. Em um tempo em que as telas e as conexões eletrônicas parecem deslocar a realidade do mundo da vida do vivencial para o virtual, retomar os caminhos da experiência-da-natureza. Talvez tenha chegado o momento de pensarmos – ente tantas teóricas inovações didáticas – se a escola não deveria voltar-se mais a ser parecida com um “acampamento de escoteiros” do que com um “laboratório de internautas”. Mãos que juntas plantam árvores poderão salvar o planeta mais do que dedos que teclam no computador mensagens ambientalistas em favor da Amazônia.
16. Enfim lembrar com Sartre que "uma coisa é o que fizeram de nós. E outra coisa é o que fazemos do que fizeram de nós…"
Partir da idéia de que na verdade, se quisermos, somos e sermos nós e os nossos educandos-herdeiros aqueles a quem cabe a continuidade e a densidade do trabalho de transformarmos nossas vidas, nossos destinos e os mundos em que partilhamos nossas vidas e destinos.
17. Lembrar, enfim, que somente haverá UM OUTRO MUNDO POSSÍVEL quando existir UM OUTRO SER HUMANO POSSÍVEL. E este somente existirá quando soubermos criar UMA OUTRA EDUCAÇÃO POSSÍVEL.
E este POSSÍVEL depende de nós mesmos e de nós mesmas, muito mais do que nós próprios/as imaginamos.
Carlos Rodrigues Brandão
Buritizeiro – beiras do Rio de São Francisco
(em um dezembro de grandes chuvas em 2011)
Revisto durante o FORUM SOCIAL TEMÁTICO em Porto Alegre,
em janeiro entre calor e chuva.