ASSUNÇÃO DE MARIA: um sinal de esperança, um convite a esperançar
A solenidade da Assunção de Maria celebra em 15 de agosto, conforme o costume da Igreja Católica no Brasil, foi deslocada para o domingo mais próximo que é dia 19. Agosto é o mês das vocações e no terceiro domingo celebramos a Vida Religiosa Consagrada. Todos esses dados juntos com o registro das candidaturas servem de pano de fundo para nos aproximarmos do mistério de Deus testemunhado nos textos bíblicos que nossas comunidades leem neste domingo.
Durante todo este mês, de forma especial em nossas comunidades, buscamos ouvir a vontade de Deus e a ajudar, em especial aos jovens, a reconhecer os apelos de Deus em suas vidas. O convite é meditar o caminho pelo qual Deus nos chama a sermos felizes. Reconhecer se somos fiéis aos apelos de Deus em nossas vidas ou se estamos adiando dar ouvidos aos sonhos de Deus plantados em nossos corações. Afinal, Deus me chama a quê? Estou no caminho do que reconheço como minha vocação? São perguntas que podem iluminar este mês.
Um primeiro dado para nos aproximar da festa de hoje é lembrarmos que quando a Igreja fala algo de Maria, na maior parte das vezes, quer falar de Cristo ou do povo de Deus. Se remete a Maria para dizer algo importante sobre o Jesus, sobre a nossa salvação, sobre ser Igreja. É um pouco disso que a solenidade da assunção de Maria quer dizer; Ela fala do caminho e do destino de quem vive sua trajetória aberto aos sonhos de Deus. Ser acolhido (a) na glória de Deus. O que para Maria é realidade para nós é ainda esperança.
Na primeira leitura temos um trecho do Apocalipse lido em algumas festas marianas Ap 11,19a;12,1.3-6a.10ab. Esse livro é marcado por um estilo literário bem presente no tempo de Jesus e das primeiras comunidades: a apocalíptica. É um jeito de ver o mundo, de pensar, de escrever…; No livro do Apocalipse, que encontramos nas bíblias cristãs, estão narrativas marcadas de profundo simbolismo as quais foram escritas num momento onde cristãos eram perseguidos (Ap 21,1-4), essas são as que tem a intencionalidade de produzir esperança, de ajudar a perceber Deus em tempos conflituosos, narrativas que querem nos ajudar a entender a profundidade da causa abraçada – o Seguimento de Jesus – mesmo em meio a derrotas nas batalhas. O livro o Apocalipse é um leitura para quem não quer perder de vista o que abraçou, por isso ele é tão importante neste momento da história do país. Seguimos Jesus no compromisso com os empobrecidos. Essa é a causa expressa em tantas trajetórias e militâncias. Isso vale uma vida!!
Daí este gênero literário ter tanto a nos dizer nestes tempos de golpe. No céu aparecem uma série de sinais, os principais são: a mulher (Ap 12,1-2)e o dragão (Ap 12,3-4). Esta mulher que representa a Igreja, mas que a devoção popular relacionou com Maria. O dragão representa o império romano. A criança que vai nascer é o Cristo/Boa Notícia (Ap 12,4). O império/sistema tem aparência terrível, parece mais forte (Ap 12,3-4). Está pronto para impedir o anuncio da boa noticia (Ap 12,4). Nesta imagem as comunidades joaninas nos apresentam sua esperança. Apesar da força do Império que assusta o anúncio do Evangelho, vai prosseguindo. O Cristo com sua presença e sua proposta vai se tornando boa noticia na vida das pessoas.
Na segunda leitura (1Cor 15,20-27a) temos um fragmento da primeira carta de Paulo a comunidade de Corinto. No capítulo 15 dessa carta o apóstolo apresenta para a comunidade sua percepção sobre a ressurreição, retoma a imagem de Adão (1Cor 15,22). Se no “primeiro homem”, as pessoas se afastam da vontade de Deus, conforme nos apresenta a narrativa do Gênesis (Gn 3), em Jesus se restabelece a comunhão (1Cor 15,21-22.27a). Se contando as narrativas sobre Adão os judeus buscavam entender a condição humana (Gn 2-3), ao olhar para Jesus os cristãos da primeira hora, e também nós, reconhecemos o caminho a fazer. Paulo busca encorajar a comunidade afirmando que o nosso destino é a comunhão com Deus. Em Cristo encontramos a vida (1Cor 15, 22). Ele é o primeiro (1Cor 15,20). Nós seguiremos seu caminho (1Cor 15,23). Este é o núcleo da fé na ressurreição nossa convicção de que quem está em Deus nesta vida depois dela vai viver um grande abraço com o mistério de amor que nós chamamos de Deus (1Cor 15,12-19).
O texto do evangelho deste domingo é de Lucas (Lc 1,39-56). Interrompendo uma sequência de domingos em que meditamos sobre o capítulo seis do evangelho de João (18º ao 21º domingos do tempo comum). Temos dois textos bem conhecidos das nossas comunidade, que comumente chamamos de Visitação (Lc 1,39-45)e Magnificat (Lc 1,46-56). Nos dois primeiros capítulos de Lucas temos uma série de personagem que marcam a transição entre antigo e novo testamento: Zacarias e Isabel (Lc 1,5-9.36), Simeão (Lc 2,25-26) e Ana (Lc 2,36) representam o Antigo Testamento. Temos Maria modelo de discípula (Lc 1,26-38; 11,27-28) para a comunidade lucana e com Jesus um sinal do Novo Testamento.
Na primeira parte leitura do Evangelho temos o encontro de duas mulheres gravidas e partir delas o encontro de duas figuras que convivam a viver o bem: Jesus e João Batista. No ventre da mãe João sente a alegria em participar da obra da redenção (Lc 1,41). É o encontro da promessa com a realização. Para a comunidade Lucana a pessoa de Jesus é causa de alegria (Lc 1,28.47;2,18;15,6-7.9-10.23-32). É um sinal da ação de Deus entre os pequeninos. Maria é a arca da nova aliança e isso podemos pensar que a comunidade ao construir esta narrativa se inspirou no encontro de Davi com arca da Aliança ( 2Sm 6,9).
Nas palavras de Isabel temos a experiência de encanto que os primeiros cristãos fizeram. Se é bendito o que vem, é bendita quem o traz. Esta parte da narrativa termina com a expressão que considero ser o coração do evangelho deste domingo: “Feliz aquela que acreditou, porque será cumprido o que lhe foi dito da parte de Deus” (Lc 1, 45). Eu e você somos felizes se acreditamos. Se o nosso acreditar no torna escolha. Pensar a vocação é reconhecer “o que o Senhor nos diz” na realidade, em especial nos empobrecidos. Neles reside, para cada um de nós, uma promessa e um convite. É preciso acreditar. Teimosamente acreditar. Como as comunidades que nos legaram os textos deste domingo. Deus é fiel. Cabe a mim e a você nos esforçarmos – mesmo reconhecendo nossos tropeços.
Na outra parte da leitura temos o cântico de Maria, uma bela síntese de fé. Quem acredita na Palavra que se faz história reconhece nas buscas e processos de libertação dos povos a mão de Deus. Há um dado curioso neste cântico. É uma das poucas orações construídas no feminino. No magnificat reconhecemos um Deus que fala a partir da mulher, da experiência de uma mulher, que do ser feminino lê a história e canta que Deus não se esquece dos esquecidos (Lc 1,48).
O cântico de Maria é uma porta para a contemplação da ação de Deus no hoje da história. É um testemunho de como várias comunidades e povos antes de nós reconheceram Aquele a quem Jesus chamou de Pai. É expressão de gente que fez uma experiência de sagrado em meio às lutas pela vida plena, por seus direitos, pela liberdade. De gente que reconheceu que o jeito de Deus ser é diferente da logica dos impérios, dos de ontem e dos de hoje.
Celebrar a assunção de Maria é reconhecer que o convite a “ser de Deus” traz em si um chamado a mergulhar na história. Não existe chamado fora dos processos e buscas dos nossos contemporâneos. Deus nos chama a participar de sua ação libertadora. A testemunhar o “poder de seu braço” (Lc 1, 51). Será que as pessoas ao nos olharem podem dizer, de mim e de você: “são felizes por que acreditaram”? Rezar pelas vocações é bom. Mas também preciso nos perguntarmos como esta nossa caminhada. Dedicar um tempo a pensar: “Onde sou chamado a contribuir na construção do Reino? Qual o meu caminho de felicidade?” Na solenidade de hoje aprendamos com Maria a ouvir, contemplar, esperar e esperançar.