Campanha contra a violência e extermínio de jovens
Em março de 2008 estávamos reunidos, em Brasília, numa reunião das Pastorais da Juventude do Brasil. A conversa era sobre a preparação da 15ª Assembleia Nacional da PJB. Falávamos sobre organização, metodologia, estrutura, identidade e todas as coisas mais que já discutíamos há tanto tempo. Questões importantes, mas não essenciais. Afinal de contas, qual é a essência da nossa caminhada? O que comungamos?
O telefone de uma jovem presente na reunião tocou. Era a sua mãe, informando que mais um dos alunos da jovem foi assassinado na comunidade. Mais uma vez ouve-se o choro de uma mãe negra, pobre e que já havia perdido dois filhos nessa guerra cruel. Mais uma vez o medo e o terror tomaram conta daquela comunidade. Lugar onde deveria ser um espaço de vida, de dançar, brincar de pipa, namorar, estudar, rezar, lutar, tocar ideias ou de não fazer nada. Enfim, lugar de viver feliz em comunidade.
A jovem que recebeu o telefonema agiu com indiferença. No momento, a notícia não entranhou em sua alma, não mobilizou, não mexeu, não comoveu. Talvez porque já tivesse acostumada a ver jovens negros e pobres morrerem a cada dia. Mas no domingo, quando sentamos ao redor da mesa para partilharmos o pão, ouvir palavras que ardem o nosso coração e celebrar a vida, ao escutar o Evangelho de João, capítulo 9 (passagem de Jesus e o cego de nascença na piscina de Siloé) a ficha caiu, o grito saiu, a lágrima desceu e a morte daquele jovem foi partilhada. Assim como no Evangelho, os nossos olhos se abriram, o sangue de um jovem negro foi o barro que Deus usou para passar em nossos olhos. A partir daí, o tema VIOLÊNCIA E EXTERMÍNIO DE JOVENS tomou conta da prosa, das nossas caixas de e-mail, das nossas rezas e se materializou ainda mais quando se tornou bandeira de luta comum, prioritária, na 15ª Assembleia Nacional das Pastorais da Juventude do Brasil, em Brasília, no mês de maio de 2008.
Em maio de 2009, um ano depois, nos encontramos em São Paulo (PJs e outras organizações parceiras), na Escola Florestan Fernandes para planejar a CAMPANHA NACIONAL CONTRA A VIOLÊNCIA E O EXTERMÍNIO DE JOVENS. Naquela ocasião o Padre Gisley celebrava o quarto ano da sua ordenação e fez questão de frisar que aqueles anos de sacerdócio foram pela vida da juventude, pois essa era a razão da sua vocação.
O Seminário foi um momento muito marcante. Iniciamos com o canto das três raças (que começa dizendo que ninguém ouviu um soluçar de dor no canto do Brasil) e a sensação que tínhamos era que ninguém ouve o grito da juventude que morre diariamente em todo o nosso país. Por essa razão fizemos questão de lembrar as mortes de alguns jovens que tombaram, para dar um basta na invisibilidade dessa violência que mata mais que a AIDS.
Essa guerra cruel e diária tirou a vida daquele que estava tão empenhado na construção da nossa campanha: mataram o nosso irmão Gisley, no Distrito Federal, em junho de 2009, com três tiros na cabeça. Com o assassinato dele a Campanha ganhou mais força e mais dedicação. É pena que seja sempre assim; a gente só percebe que a coisa é séria quando um dos nossos é tombado, mas foi assim que a nossa campanha ganhou ainda mais razão de existir.
Não podemos esperar mais, porque a cada momento mais um corpo aparece sangrando e estendido no chão. Vamos defender a vida com todas as nossas forças, em comunhão, em mutirão, porque a luta contra toda forma de violência é para muitas mulheres e muitos homens!
Hildete Emanuele Nogueira de Souza
Secretária Nacional da Pastoral da Juventude
Pela Equipe de Coordenação da Campanha Nacional contra a Violência e o Extermínio da Juventude