Celebrando os “caminhos onde bate bem mais forte o coração”

solenidade
Solenidade de Todos os Santos

1° leitura: Ap 7,2-4.9-14
Salmo 23
1Jo 3,1-3
Evangelho: Mt 5,1-12a

Por Ir. Joilson Toledo*, FMS

Neste domingo, solenidade de todos os santos, saímos um pouco da meditação do Evangelho de Lucas. Nossas comunidades leem hoje um texto bem conhecido “as bem-aventuranças”. Para refletirmos sobre este texto convém dialogar um pouco sobre a comunidade para a qual foi escrito o evangelho de Mateus. Estamos possivelmente falando de cristãos que estavam por volta dos anos 80 do primeiro século da era cristã em comunidade de origem judaica, mas que estavam fora de Jerusalém e da Palestina, os chamados judeus da diáspora.

Diante das realidades que enfrentam se enxergam como legítimos herdeiros das promessas de Israel. Percebem a experiência que fazem, o seguimento de Jesus, como releitura do aprofundamento das tradições de Israel. Para eles, então, Jesus é o novo Moisés, que apresenta a nova Lei. É possível que a comunidade estivesse interna e externamente confrontada com os costumes vindos do judaísmo. Afinal, quem somos nós? O que trazemos de continuidade e de novidade? São perguntas que a comunidade de Mateus viu-se obrigada a responder.

É bem neste contexto que deve ser lido o texto que ora abordamos. Ele está inserido num bloco que nos acostumamos de chamar de sermão da montanha, ou seja, não são os 12 versículos que lemos hoje e sim 3 capítulos (Mt 5-7). Talvez mais que um longo discurso de Jesus estejamos diante de um belo trabalho de costura de vários ensinamentos que a comunidade considerava imprescindíveis. Nestes temos, um exercício de releitura da experiência de Israel. Jesus não veio para abolir a Lei (Mt 5,17). Assim temos seguidas vezes a expressão “vocês ouviram… Eu, porém, vos digo” (Mt 5,21-22;27-28;31-34;38-39;43-44).

Neste clima de reaprender o caminho da vivência da vontade de Deus, o caminho da felicidade é que deve ser lido o trecho inicial do sermão da montanha. O lugar onde se desenvolve a cena ou melhor a conversa é “uma montanha” (Mt 5,1), para muitos povos e tradições religiosas, a montanha é lugar de encontro com Deus. Para o povo da Bíblia o Sinai (Ex 19,1-3) e o Horeb (Ex 3,1) são lugares fortes da presença de Deus, lá Deus entrega o dom da Lei. A reação dos discípulos e da multidão, sentar-se diante de Jesus, mostra que o reconhecem como um mestre, um Rabi! Há nos círculos de ouvintes os discípulos e a multidão.

A comunidade em sua reflexão apresenta-nos um caminho contraditório e nos mostra que no tempo deles como hoje existiam pobres, os que choram, mansos e misericordiosos, os que promovem a paz, perseguidos por causa da justiça, cristãos que se arriscam pelo evangelho. Neste ponto guarda certa semelhança com nosso tempo, certo? Num primeiro momento, corremos o risco de pensar neste como pessoas apenas moralmente bem-intencionadas. Estamos diante de gente naquele tempo, e também agora, que sofre as consequências de um sistema injusto. O que fazer? Vamos nos resignar? Parece que o evangelho apresenta outro caminho…

Este texto e Lc 6,20-26 são paralelos. Enquanto Lucas remete-se a realidades mais concretas e usa uma linguagem mais direta, Mt faz proclamações universais. Talvez enfocando mais em posturas pessoais do que em realidade sociais, caminho escolhido por Lucas. Em Mateus, a cena dá-se na montanha (Mt 5,1) em Lucas na Planície (Lc 6,17) . Nos dois o gênero literário empregados é a palavra de felicitação, também encontrado no Sl 1,1-2. Nesta passagem, encontramos os sinais de salvação. Não seriam sinais de salvação, não desanimar, mesmo nestas situações?

Para pessoas que viviam um tempo de tensão e enfrentavam exigências do seguimento de Jesus, a comunidade de Mateus aponta um caminho de felicidade diferente do caminho dos “bem-sucedidos”. Apesar da aparente contradição, elenca alguns grupos e ou posturas: os pobres no espírito, os que choram, os mansos, os que têm fome e sede de justiça, os misericordiosos, os puros de coração e os que promovem a paz. Aqui não é apresentado um caminho de conformismo. O caminho é não sucumbir as contrariedades, mas em tudo, reafirmar nossa opção pelo Reino. Em nossa fragilidade, somos convidados a reconhecer a ação de Deus em nossa trajetória, particularmente naquilo que aparenta ser derrota. Ele é o defensor dos indefesos. A última palavra não é da injustiça, por isso, já aqui somos chamadas a sermos felizes. Também felizes porque mesmo na adversidade não sucumbimos ao anti-Reino.

Por vezes nos encontramos perguntando a Deus por que nos deparamos com tanta incompreensão se o que buscamos é o “Reino dos Céus”… As bem aventuranças nos convidam a reconhecer as consequências de escolher o caminho dos profetas. Quem escolhe ser profeta é tratado como profeta (Mt 5,11-12). Falamos tanto de profecia nas PJ… Temos coragem de assumir as consequências dela? Será que mesmo assim conseguimos nos sentir “felizes”, “bem-aventurados”? Apesar de enfrentar situações difíceis e delicadas reconhecemos que é por causa Dele e do Reino? E se é por causa dele não poderíamos nos fazer a pergunta do salmista: “por que você está encurvada, ó minha alma, gemendo dentro de mim?” (Sl 42, 6a.12a).

É nesta perspectiva que lemos a primeira leitura… Os bem-aventurados são pessoas de todos os lugares, uma multidão, 144 mil ou seja todas as pessoas (Ap 7, 2-4). Seu martírio, entrega da vida é representado pelas vestes brancas, palmas nas mãos (Ap 7,9b).

É festa de todos os santos… É festa da comunhão dos santos… Celebramos a solidariedade no bem! Todos e todas, de todos os tempos que deram a vida pela Vida se encontram em Deus (Ap, 7,9). Neste dia, como canta Gonzaguinha celebramos que “é tão bonito quando a gente entende que a gente é tanta gente onde quer que a gente vá. É tão bonito quando a gente sente que nunca está sozinho por mais que pense estar. É tão bonito, quando a gente pisa firme nestas linhas que estão na palma de nossas mãos. É tão bonito quando a gente vai a vida nos caminhos onde bate bem mais forte o coração”

Sim, o seguimento de Jesus nos leva por “caminhos onde bate bem mais forte o coração”, caminhos por vezes profundamente exigentes. Mas lembremos “a salvação pertence ao nosso Deus, que está sentado no trono, e ao Cordeiro” (Ap 7,10). O Reino é mais forte que todos os impérios, por mais que em alguns momentos pareça que não. Sigamos em frente amando, construindo, propondo, celebrando... Hoje é festa de todos os santos… ninguém está só! O caminho da felicidade é o caminho do Reino, sempre o Reino. Celebremos a certeza de que “a morte já não mata, não mata mais a morte. No chão regado em sangue a flor brota mais forte”.
*Irmão Marista, assessor da PJ na paróquia Nossa Senhora dos Navegantes, Barra do Jucu, Vila Velha/ES.

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