Juventude transviada ou engajada?
Muitos jovens de hoje acham que não vale a pena votar, diferente de outras gerações que atuaram por reformas e entraram para história.
Yorranna Oliveira, do Virajovem Pará* (30/09/2008)
Jovens de várias idades e classes sociais. Bem informados, ou completamente alheios ao mundo em volta. Um perfil da juventude que tem na ponta da língua a primeira palavra que lhe vem à cabeça, quando o assunto é política: Corrupção!
"É uma chatice. Acho perda de tempo assistir à propaganda eleitoral, falar sobre política, essas coisas todas. Os candidatos fazem um monte de promessas, mas não cumprem nenhuma. A gente não acredita mais". O depoimento é da estudante Manuele Lobo Dias, 16 anos, aluna da 8ª série de uma escola pública de Belém.
Ela faz parte da nova geração de jovens com pouco interesse político no país.
O ano de 2008 além das eleições, é palco dos dos 40 anos de maio de 1968, ano marcado pela intensa mobilização e engajamento político-social da juventude. Duas gerações, dois momentos históricos diferentes.
A de 1968 virou mito e exemplo, a atual se mostra distante dos debates, apática demais se comparada a de outrora.
Como tem voto facultativo, Manuele optou por não participar das eleições municipais deste ano. "Não tive tempo de tirar meu título", justifica. Mas em seguida, ela completa: "Não quis tirar, porque meu voto não vai fazer diferença nenhuma", complementa.
Esse olhar de descrédito seria um dos principais motivos apontados para o afastamento, não só do público jovem, mas da sociedade como um todo. Para o professor da Universidade Federal do Pará e mestre em ciência política, José Cáuby Monteiro, a democracia representativa – a da escolha de dirigentes -, o jogo político eleitoral, aliados à ausência de espaço ativo de cidadania e à democracia direta causam um efeito desmobilizador.
"Jovens só participam da política em situações excepcionais (a luta contra a ditadura no Brasil, por exemplo) e dificilmente em rotinas eleitorais como eleições municipais, principalmente estas de Belém, em que os dois principais candidatos são muito parecidos ideologicamente. Não é atrativo para a juventude. O jovem representa-se a si mesmo na sua individualidade e nas suas formas coletivas de participação, dificilmente precisa de representantes institucionalizados", avalia.
O universitário Gleidson Gomes, de 21 anos, também vê na corrupção um fator de agravo do quadro atual. No entanto, acredita que isso deveria ter efeito contrário. "O grande número de corrupção gera uma antipatia, um acomodamento. E o jovem considera que a mobilização dele não vai mudar nada, mas deveria ser o oposto".
Gleidson compartilha a opinião da necessidade dos jovens de terem representações próprias para se identificarem, e conseqüentemente se aproximarem do universo político.
Segundo ele, falta esse referencial. "O jovem não tem uma representação forte. No passado existia a UNE (União Nacional dos Estudantes). Ela atuava num contexto de luta contra a ditadura e todas as arbitrariedades da época, mas essa figura perdeu força. Hoje, o Estado de democracia criou uma inércia coletiva, como se não houvesse motivos para se lutar, discutir, debater", afirma.
Nos anos 60, o terreno era fértil para mobilizações. Ditadura no Brasil, guerra do Vietnã e a segregação racial nos EUA, protestos estudantis contra a má qualidade do ensino superior e as poucas oportunidades de trabalho, levando a uma greve geral de 10 milhões de trabalhadores na França em 1968. O verdadeiro caos instalado.
O ano francês de 1968 virou símbolo de uma era, a dos jovens contestadores, revolucionários, que mudaram a forma de pensar da sociedade. Diante do mito, onde tudo parece já ter sido feito, o pós – 60 deixa a dúvida, se ainda há bandeiras a levantar.
Para Gleidson elas existem. "Temos uma série de causas e uma extremamente nossa, a questão ambiental, principalmente para o jovem da Amazônia. Ela é o centro de discussões atualmente. Os olhos do mundo estão voltados pra cá. Isso é um fator histórico importantíssimo, mas não tem desencadeado tanta mobilização. Então, a desculpa não pode ser a falta de motivos, porque eles estão aí", ressalta.
Thiago Mesquita, 23 anos, recém formado em História, pela UFPA se inspirou na década de 1960 para elaborar sua Tese de Conclusão de Curso (TCC). Com o título "Movimento Estudantil de 68 e suas repercussões no Pará através de "O Papagaio".
Ele traça o papel do movimento e suas conquistas na sociedade paraense. "Em 68 lutava-se por direitos cerceados. Foi um diferencial na luta pelos direitos políticos. Hoje nós temos todos esses direitos a nossa disposição. Aí parece que tudo já foi feito, e não nos resta mais nada. Vejo muito as pessoas querendo copiar aqueles anos. Mas o discurso é fraco, por essa ausência de debate, transparência e engajamento verdadeiros", analisa.
O protagonismo juvenil surge como a grande questão no debate. Abrir canais de diálogo com a juventude, direcionar políticas ao segmento, investir em educação, quebrar a muralha do individualismo social.
Além de fatores históricos são os caminhos citados para promover mudanças e transformações no comportamento desse público.
Políticas públicas voltadas para a juventude brasileira
No Brasil, só existem políticas de juventude de caráter nacional, desenvolvidas, na maioria das vezes de forma tímida, em parceria com Estados e municípios.
A Secretaria Nacional de Juventude apresenta no site www.juventude.gov.br uma lista de 16 programas, entre eles destacam-se o Programa Integrado de Juventude (Projovem), voltado para "jovens entre 15 e 29 anos excluídos da escola e da formação profissional" e o Programa Universidade para Todos (Prouni), o qual oferece "bolsa de estudos integrais e parciais em instituições de ensino superior privadas para estudantes de baixa renda e a professores da rede pública sem condições de pagamento das mensalidades". Os dois projetos são os de maior repercussão na mídia.
O historiador Thiago critica as políticas. De acordo com ele, o ideal seria ouvir a voz da juventude nos processos de decisão, contudo, admite o desinteresse por parte dela. "O certo é chamar os jovens pra discussão e decidir junto com eles o futuro, fazê-los participante. Mas quantos iriam se houvesse isso? Um exemplo foi quando tiraram a pista de skate da Duque de Caxias (avenida de Belém), quantos protestaram? E isso lhes atingia diretamente. Eles simplesmente se calaram, se houve mobilização, foi ínfima", acrescenta.
Como tornar os jovens mais politizados?
Mesmo parecendo clichê, ainda se bate a tecla nesses pontos. Educar na escola e dentro de casa o jovem, para que ele conheça e compreenda a importância de seu papel, enquanto cidadão.
A sociedade individualista tem impedido isso, em especial no âmbito familiar, como aponta o estudante de jornalismo Gleidson. "O individualismo contemporâneo te impede de conversar com outro, de parar um segundo a tua vida e escutar os problemas de alguém. A globalização tem sua parcela de culpa. Ela trouxe a velocidade das informações. Você recebe uma tempestade delas. E no final você tem muita informação e pouco conhecimento, devido ao curto tempo para absorver tanta coisa", conclui.
Velocidade do mundo globalizado, combatida pelo jornalista e escritor Zuenir Ventura. "Informação demais é ruído. A velocidade acaba com a memória. O "google" acaba com a memória", diz.
E memória e história refletem as inquietações de grupos sociais ao longo do tempo. Mostram os fatos que desencadearam as mais diversas agitações. Na visão do cientista político Cauby, seria um fato histórico o mecanismo propício ao engajamento. "Somente situações excepcionais em que executivo e legislativo se vissem questionados não apenas em suas funcionalidades, mas principalmente em seus papéis domesticadores da política e da cidadania", acredita.
Depois de quatro décadas, ainda permanece no imaginário social "1968: O ano que não terminou" (livro de Zuenir). Por continuar vivo, compara-se tanto as duas gerações. Ventura, mostra-se categórico com o assunto. "68 não é exemplo, é lição", disse numa recente palestra dada em Belém.
Autor de dois livros sobre 1968, o jornalista fala no diálogo e aprendizado entre as duas linhas de tempo. "O passado serve para ensinar algo, refletir sobre o presente, não podemos copiar 68, cultuá-lo. A geração contemporânea não tem o que lutar, não tem porque lutar. Em 64 tivemos a inocência, em 68 a ilusão. Agora, a gente não pode perder a capacidade de sonhar", enfatizou.
* Um dos Conselhos Jovens da Vira presentes em 21 estados do País (pa@revistaviracao.org.br)