A luz de todos ilumina a partir da periferia
A luz de todos ilumina a partir da periferia
1a Leitura Is 8,23b-9,3
Salmo 26
2a Leitura 1Cor 1,10-13.17
Evangelho Mt 4,12-23
Por Ir. Joilson Toledo, FMS
Depois da liturgia do tempo do Natal, seguimos dando passos no tempo comum. Uma característica destes primeiros domingos, deste tempo é testemunhar o início da vida pública de Jesus. Vemos como Jesus começou a atuar e temos no trecho bíblico que hoje meditamos o modo como várias comunidades pensaram o começo do ministério na Galiléia (Mc 1,14-15; Lc 4,14-15) e a vocação dos primeiros apóstolos (Mc 1,16-20; Lc 5,1-11).
Para as comunidades de Marcos e Mateus a prisão de João Batista foi uma referência para o início da ação pública de Jesus (Mt 4,12.17). O Batista que com seu estilo de vida e pregação atraiu muita gente (Mt 3,5). Parece que desde o início os cristãos olharam para ele e reconheceram um certo paralelo com Elias (Jo 1,19-23). A ele caberia preparar os caminhos, anunciar o Messias. Agora se a ação de João foi interrompida com sua prisão então isso poderia anunciar que o tempo do messias estaria próximo. É possível que Jesus tenha permanecido um tempo junto a João ou o fato de estar na região o fizesse correr perigo. Por isso as comunidades de Marcos e de Mateus fazem esta aproximação redacional entre as trajetórias de Jesus e João Batista.
Para nossa reflexão sobre o evangelho de hoje cabe reconhecer que a comunidade de Mateus o situa no tempo (prisão de João) e no espaço (Galiléia). Quem quer seguir Jesus precisa se situar no tempo e no espaço. O que marca este momento histórico? Quais são os marcos da sua caminhada de discípulo de Jesus? Em que lugar, lugares, você está? O que eles significam para você? Também podemos pensar este texto a partir da Geografia (Galiléia dos gentios, Nazaré, Zabulon, Neftali, Cafarnanum, além do Jordão) e das pessoas (Simão Pedro, André, Tiago, João). Tanto na geografia, quanto nas pessoas, há uma interpelação que a comunidade mateana considerou importante.
O Reino está próximo de quem? O que a Galiléia e os simples pescadores insinuam? Quem eram os pescadores daquele tempo e quem são as pessoas chamadas hoje? Neles vemos pessoas simples, que tem trabalhos humildes, pouco remunerados e por vezes arriscados. Seriam os excluídos de hoje? Um dos elementos a serem reconhecidos é a opção preferencial pelos pobres, pelos últimos, a luz que se levanta para as nações não vem de Jerusalém, o centro, mas da Galileia, a periferia. Evangelizar a partir da periferia, das beiras, foi a escolha de Jesus e o qual é a escolha que fazemos nós, que nos dizemos seus discípulos e discípulas? Se você e eu olharmos para nossa caminhada hoje, o que reconheceremos?
A profundidade simbólica da Galileia faz a comunidade mateana se remeter a profecia de Isaias. É o esquema profecia-realização caro a Mateus. É interessante que neste domingo temos como primeira leitura o texto bíblico sinalizado pelo próprio evangelho como profecia a que se cumpre (Is 8,23-9,1). O escrito do profeta mostra o ideal dos povos presente também na história de Israel: o fim das formas de opressão e violência, a violência institucionalizada que é base de um sistema de acumulo: de bens, de poder, de dinheiro.
O profeta Isaias anunciou a libertação das terras ocupadas pelos assírios e vê no desenrolar da história a ação de Deus. Ele disse que um dia a luz de Deus resplandeceria sobre eles. A comunidade Mateana ao ler este texto entendeu que Jesus era a grande luz a brilhar sobre eles e sobre toda humanidade. É interessante que é sobre a Galiléia, a dos pagãos, lugar mal falado por judeus que se achavam religiosos no tempo de Jesus, que brilha a luz. Neste episódio a comunidade para qual foi escrito o Evangelho de Mateus anuncia sua certeza de fé que a luz de Deus ilumina a todos. O texto que foi provocação em seu tempo, traz uma grande luz para o nosso tempo. Quantos Cristãos em nome de Jesus, querem negar a luz de Deus para os outros, ou não reconhecer que Deus é maior que os nossos preconceitos e preceitos. Todas as pessoas que vivem a sombra da morte encontram em Jesus seu libertador.
“Nestes dias tão estranhos” que vivemos, tanto para o cenário internacional, como a conjuntura do Brasil, as leituras de hoje anunciam uma esperança. Vivemos tempos em que os preconceitos estão acirrados, a intolerância e o medo dos outros rondam até mesmo os discípulos e discípulas do “mestre de Nazaré”. Mas o caminho que Jesus testemunhou ser o escolhido por Deus nos desafia a ir além dos rótulos, devemos ser testemunhas de um amor que alcança a todos.
Daí vem o convite feito por Jesus que deve ecoar na vida de seus discípulos: “mudar de vida, por que o Reino dos céus está próximo”. É preciso mudar: eu, você, a sociedade… E o critério da mudança proposta é o Cristo; o critério da mudança proposta é trazer luz.
A cena seguinte é o encontro de Jesus com os primeiros apóstolos. Fato é que Jesus reuniu discípulos ao seu redor (Mt 4,18-22; 5,1; 10, 1; 28, 16), formou um grupo itinerante (Mt 4,23-25). No tempo de Jesus era comum os pregadores e rabinos construírem grupos ao seu redor. O que os evangelhos parecem nos testemunhar é que o estilo de Jesus encantou as pessoas. Um dos motivos deste encantamento é que ele falava a partir do horizonte de sentido das pessoas: convida os pescadores a serem pescadores de pessoas (Mt 4,19). Daqui temos outros elementos que nos provocam. É bom olhar para própria vida e perguntar: em que momento você ouviu o mestre dizer: “me siga e fazei de você pescador de pessoas”? Caso tenha escutado este chamado, você tem o levado a sério? Realmente quer “caminhar com Jesus”? Em seu estilo pastoral, conversa com as pessoas a partir do horizonte de sentido delas ou usa uma linguagem que pouco conseguem entendem? Seu trabalho pastoral fala ao coração de alguém?
Em sintonia com o Evangelho a segunda leitura é também um convite a mudança das relações na comunidade (1Cor 1,10). Somos convidados pelo apóstolo Paulo a não nos fecharmos em “grupinhos” (1Cor 1,12). Parece que a comunidade de Corinto vivia brigas internas a partir de diferentes correntes de pensamento, eles e nós somos convidados a olharmos mais profundamente as relações estabelecidas na comunidade. Fomos convidados não a formar grupos, mas antes e acima de tudo viver e anunciar o Evangelho. A Palavra que nos faz ultrapassar as fronteiras construídas por nós mesmos e torná-las espaços de contato com os outros. Aqui também podemos nos perguntar: será que você e eu não estamos perdidos em disputas de grupos e perdendo o foco do essencial? Aquilo pelo qual eu dedico minha vida é o que realmente “vale a pena”?
Nos primeiros passos do tempo comum ao contemplar o início da vida publica de Jesus temos a possiblidade de retomar na memória nossa caminhada e assim rever e refazer escolhas e rotas. O convite está feito, que cada um faça suas escolhas e nesta trajetória sempre conte com a luz que ilumina a todos, mas que desponta a partir das periferias.