O futuro está chegando
Nas últimas décadas, os jovens avançaram nos estudos três vezes mais do que a média histórica. Agora, com o mercado aquecido, esta onda educacional propaga confiança no futuro.
A juventude é para alguns um estado de espírito, não determinado pela idade em si, mas pela postura da pessoa diante do futuro. O jovem seria aquele que acredita que o melhor da vida ainda está por vir. Numa pesquisa sobre o tema, essa visão é corroborada por questões às quais a pessoa atribui diretamente nota subjetiva de 0 a 10 sobre a sua respectiva satisfação com a vida. Contrastamos a questão da satisfação no presente com outra, referente à expectativa de felicidade cinco anos no futuro. Os mais jovens apresentam os maiores diferenciais entre felicidade futura e a presente. Não tanto porque a felicidade presente decline com a idade do entrevistado, mas pela queda da felicidade esperada no futuro. Em suma, os de menor idade tendem a estar impregnados de positividade em relação ao respectivo futuro, o que vai diminuindo com a idade.
Essas afirmações e dados não são específicos do Brasil, mas de uma amostra de 132 países coberta pelos microdados da pesquisa do Gallup World Poll, de 2006, explorados em projeto nosso para o BID. O que é específico do Brasil é a alta expectativa em relação ao futuro – nossa nota média é 8,24, mais do que qualquer um dos países da amostra. Somos campeões mundiais de felicidade futura. Essa interpretação permite reconciliar duas qualificações recorrentemente atribuídas ao Brasil: “país jovem”, por uns, e “o país do futuro”, por outros. Mais do que um país de jovens na sua composição demográfica, o Brasil é um país habitado por jovens de espírito jovem. A média de felicidade futura do brasileiro entre 15 e 29 anos é 9,29, também superior a qualquer um dos países pesquisados.
Agora, o debate tupiniquim acerca dos jovens, nos últimos anos, tem enfatizado baixos salários, altas taxas de desemprego e de informalidade. Haveria base concreta para o otimismo do jovem brasileiro em relação ao seu futuro? Vejamos: do ponto de vista prático, a juventude é a fase de transição da vida infantil para a adulta. Neste trajeto, a escola ocupa, ou pelo menos deveria ocupar, o papel central na infância, enquanto a geração de renda e a inserção no mercado de trabalho são os principais objetivos da vida adulta. Esta tensão entre os retornos futuros do investimento em educação e a urgência da geração de renda no presente representa o principal dilema econômico enfrentado pelos jovens: devo estudar e/ou trabalhar? Ser educado, ou estar trabalhando – eis a questão.
É para buscar respostas às perguntas sobre a empregabilidade do jovem hoje e sua relação com o nível educacional, entre outros aspectos, que o Instituto Votorantim vem apoiando uma extensa pesquisa do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas (CPS/IBRE/FGV). Algumas constatações do estudo, apresentadas a seguir, podem contribuir para o diagnóstico, desenho, operacionalização e difusão de ações voltadas ao jovem brasileiro no campo do trabalho.
Estagnação no trabalho
A literatura de bem-estar social sintetiza o desempenho social em medidas objetivas baseadas em renda, na qual aquela advinda do trabalho desempenha papel central, sendo responsável por cerca de três quartos da renda dos brasileiros. A literatura também revela que anos completos de estudo, apesar de suas óbvias limitações, são a principal variável, entre as que conseguimos observar, a explicar o desempenho das pessoas ao longo de suas vidas trabalhistas. Diversas são as variáveis que caracterizam a performance trabalhista, tais como a ocupação, o desemprego, o salário, a extensão da jornada e a participação no mercado de trabalho, entre outras. Propomos no projeto “Educação e Emprego do Jovem”, resultado de parceria com o Instituto Votorantim, uma metodologia que mapeia a evolução de cada um dos principais ingredientes trabalhistas referentes aos impactos exercidos sobre a renda total auferida pelos jovens.
Sintetizando uma estória longa: a renda individual média do jovem de 15 a 29 anos sobe 18% de 1992 a 2006, sendo quase um quinto deste aumento associado a aumento de rendas não trabalhistas, como transferências privadas (mesadas e pensões alimentícias) e, em particular, transferências públicas advindas de programas sociais. Entre os fatores trabalhistas puros, houve estagnação da probabilidade de o jovem estar ocupado. Ou seja, boa parte do aumento de renda decorre do aumento do salário de cada jovem ocupado, que por sua vez pode ser decomposta em mudança do salário por cada ano de educação e do total de anos de estudos. A “recompensa” salarial por ano de estudo caiu ao longo da última década. Acompanhe o raciocínio: se alguém ganhasse R$ 644, tendo oito anos de estudo, cada ano valeria R$ 80; mas, atualmente, para chegar nesse mesmo nível de salário, seriam necessários pouco mais de 10 anos de estudo, pois cada ano está valendo R$ 63,50. Um sujeito que ficasse nos oito anos de estudo, ganharia hoje cerca de R$ 508 contra os R$ 644 em 1992. Ou seja, é preciso estudar cada vez mais anos para manter a mesma renda ou para aumentá-la, porque o prêmio obtido no mercado de trabalho por cada ano de estudo diminuiu. A situação de estagnação econômica, portanto, não valoriza os anos a mais. Mas quando a economia se aquece, isso faz diferença.
Resta, portanto, como fator de expansão o nível de educação do jovem, que explica 180% do aumento de renda. Isto é, não só cobre a totalidade da queda do prêmio salarial proporcionado por cada ano de estudo, como gera, além disso, 80% do ganho de renda observado. A estagnação do mercado de trabalho impediu que a forte expansão educacional observada se traduzisse em ganhos expressivos de renda.
Outra explicação para o paradoxo da estagnação trabalhista, apesar da expansão da escolaridade, é que o ganho de quantidade foi acompanhado de perda da qualidade da educação. Daí a importância prospectiva do novo foco em qualidade da educação perseguido por iniciativas como o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), do Governo Federal, e o Compromisso Todos Pela Educação, da sociedade civil.
Mais educação
Segundo a definição das políticas públicas adotadas no Brasil, juventude corresponde à faixa etária de 15 a 29 anos. Uma média deste vasto grupo etário esconde tanto quanto revela. Se dividirmos o grupo nas faixas de 15 a 21 anos – os abaixo da maioridade plena, mais voltados ao estudo – e aqueles entre 22 e 29 anos de idade, já mais voltados ao mundo do trabalho, nota-se diminuição da atividade no mercado de trabalho do primeiro grupo e um aumento no segundo.
Essas mudanças podem ambas ser consideradas avanços. O lugar do jovem de 15 a 21 anos é a escola. Nesta visão, a filosofia do finado programa federal Primeiro Emprego, de subsidiar o capital para contratar trabalho já na tenra idade de 16 anos, seria prematura, enquanto a recém-adotada extensão da idade máxima, sujeita às condicionalidades da educação, do Bolsa Família, de 15 para 17 anos, apontaria na direção correta.
Agora, impressiona o aumento da educação de ambos os grupos de jovens. Entre 1992 e 2006, a média de anos de estudo do grupo de 15 a 21 anos sobe 3,1 anos completos de estudo, e daquele entre 22 e 29 anos sobe 2,5 anos. Para efeito de comparação, o grupo etário de 30 a 39 anos avança, no mesmo período de 14 anos, 1,7 anos de estudo. Avanço um pouco superior ao da média histórica brasileira de cerca de 1 ano de estudo por década, o que faz este grupo pós-jovem chegar a 8,1 anos completos de estudo em 2006, média inferior àquela atingida pelo grupo de 15 a 21 anos de idade, de 8,9 anos de estudo. Ou seja, o grupo de 15 a 21 anos – que a rigor ainda não terminou todo o seu processo educacional formal – já ultrapassou a escolaridade do grupo de 30 a 39 anos, o que demonstra uma marcada aceleração do processo educacional brasileiro, pelo menos do ponto de vista de quantidade de educação obtida.
A geração mais nova está fazendo o seu dever de casa em relação ao seu próprio futuro. Neste sentido, se eu perguntasse ao jovem brasileiro: “dada a precária situação trabalhista pregressa, o porquê da alta expectativa de felicidade futura?”, uma boa resposta seria: “É a educação, estúpido”.
Outra resposta válida seria a melhora do desempenho trabalhista observado apenas no período mais recente, presente nas percepções futuras dos jovens. O período de 1992 a 2006 analisado encerra dois períodos: o de 1992 a 2003, em que a renda fica estagnada, e o da posterior reversão trabalhista, de 2003 a 2006 em que a renda sobe 22,9 %. Passamos da fase da crise do desemprego ao regime do apagão de mão-de-obra.
Complementarmente, já existem dados no Brasil que permitem ir além de 2006 e tratar o que era então futuro como observação passada. Nas seis maiores regiões metropolitanas, os jovens experimentaram aumento da renda do trabalho, aí incluindo-se o efeito dos novos postos de trabalho de 24,8% nos primeiros quatro meses de 2008, comparados ao mesmo período de dois anos atrás. Além da renda média bombando, observamos mais crescimento entre os trabalhadores mais pobres.
Já os dados do Caged (Cadastro Geral dos Empregados e Desempregados), do Ministério do Trabalho, revelam recordes sobre recordes das séries históricas de geração de emprego formal no País, aquele que se encontrava até há pouco em processo de extinção gradual. Em 2007, tivemos 1,6 milhão de novos empregos formais, sendo 93% de jovens até 29 anos.
Apesar das nuvens da recessão americana no horizonte, os mesmos dados mostram, no primeiro semestre de 2008, um crescimento agregado de 24,2% em relação ao nível recorde de 2007, o que indica que não só os jovens, mas os empresários estão apostando no futuro e contratando em especial aqueles que puderam e sabiamente quiseram investir em educação.
Sobre o autor
Marcelo Neri é economista-chefe do Centro de Políticas Sociais do IBRE, da REDE e da EPGE da Fundação Getúlio Vargas
Depoimento
“Falam muito hoje em ensino médio profissionalizante, mas não sei o quanto isso é bom. Aos 15, 16 anos, acho que você tem de estar focado em estudo mesmo, em adquirir conhecimento e não em aprender alguma habilidade profissional. E valorizar o conhecimento nessa idade depende da sua trajetória escolar e familiar desde a infância. É nessa fase que você tem de aprender a importância de aprender. A maioria dos estudantes, no ensino médio, não está nem aí para as questões relacionadas a trabalho, a um futuro profissional. Não pensam nisso, não estão ligados, maduros para isso. E quando o cara tem de trabalhar nessa idade não consegue se dedicar direito nem aos estudos nem ao trabalho. O que pode acrescentar, nessa fase, são cursos como o que eu fiz, quando estava no fim do 3º ano, no Instituto ProA. O curso me apresentou o funcionamento de uma empresa e o lado comportamental nesse ambiente. Quando comecei a trabalhar no início deste ano, em uma empresa com várias linhas de negócios – imóveis, agropecuária, investimentos, já estava familiarizado, não tive dificuldades para me ambientar. Esse curso fez diferença, me deu um rumo. E a experiência no trabalho me ajuda a clarear o caminho a seguir. Mas ter conhecimentos é fundamental no mundo do trabalho, então estou me preparando agora para prestar economia no vestibular.”
DANILO BARBOSA, 19 ANOS, trabalha em empresa de capitais, depois de participar de capacitação no Instituto ProA (www.institutoproa.org.br)