Pastoral da Juventude de Salvador faz carta aberta sobre morte de jovens na periferia da cidade
À População da Cidade de São Salvador da Bahia.
No último final de semana, as ações da Polícia Militar da Bahia ganharam destaque na mídia, após policiais da Rondesp (Rondas Especiais) supostamente entrarem em confronto com suspeitos, nos bairros do Cabula (sexta-feira, 06) e Cosme de Farias (sábado, 07), em Salvador. O saldo divulgado é que 16 jovens, que tinham entre 16 e 27, foram mortos e vários ficaram feridos.
Moradores das regiões e testemunhas das ocorrências apontam que, nos dois casos, os jovens foram executados pelos policiais. No primeiro caso, as imagens que circularam pela internet comprovam que houve agressões físicas nos jovens e, no segundo, o jovem morto estava a caminho do trabalho, na pizzaria de sua mãe.
A Pastoral da Juventude de Salvador se solidariza com as famílias dos jovens e reitera que, buscando viver a proposta evangélica de que todos tenham vida e vida em abundância (cf Jo 10, 10) somos contra a violência e o extermínio de jovens e pedimos que as autoridades competentes investiguem com urgência e seriedade essas e outras ações da Polícia Militar da Bahia. Também lutamos para que revoguem a lei dos autos de resistência, antiga “máscara” instituída na ditadura e que até hoje é usada para justificar as execuções policiais, mediante resistência à prisão. Além disso, levantamos mais uma vez a bandeira pela imediata desmilitarização da Polícia, que é treinada para enxergar os cidadãos como inimigos de guerra, sob um regime de hierarquia desumano.
O direito à vida é evangélico e constitucional. Defendemos a vida desde a concepção até as últimas instâncias e não temos qualquer interesse em negociar isso. As instituições governamentais não têm o direito de agir contra a vida dos cidadãos, sejam criminosos, ou não. Todos devem ter direito a defesa jurídica e julgamento adequado. O que vemos todos os dias e o que vimos nesse último fim de semana é que a Polícia está fazendo justiça com as próprias mãos.
A Pastoral da Juventude de Salvador lamenta e repudia veementemente as declarações do senhor Governador da Bahia, Rui Costa, quando compara as ações policiais a um jogo de futebol, insinuando que o que importa é o número de mortos e do senhor secretário de Segurança Pública da Bahia, Maurício Barbosa, quando diz que “quando há 25, 30 pessoas agindo contra uma guarnição, a polícia vai atirar e não dá para saber quem é bandido e quem não é”, apoiando as várias ações onde a polícia mata e depois pergunta quem é.
Pesa-nos, também, as manifestações de muitos cristãos em favor das execuções praticadas pela polícia. Vale lembrar as palavras do Papa Francisco em outubro de 2014: “Todos os cristãos e homens de boa vontade são, portanto, chamados hoje a lutar não somente pela abolição da pena de morte, legal ou ilegal que seja, e em todas as suas formas, mas também pela melhoria das condições carcerárias, no respeito à dignidade humana das pessoas privadas da liberdade.” Portanto, insistimos que o pensamento de que “bandido bom é bandido morto” recai sobre a própria morte de Jesus, condenado e executado como bandido.
Desde 1979, com a construção do Documento de Puebla, a Igreja Católica da América Latina tem como prioridade de sua ação pastoral e evangélica, os pobres e os jovens. Essa opção foi reafirmada em vários outros documentos mais recentes. Cada jovem executado não deve ser contado como mais um. Deve ser sentido como uma vida inteira que se foi, muitas vezes inocente. Não compactuamos em falar de extermínio de jovens sem falar dos nomes, das causas de suas vidas, das causas de suas mortes. Mas o Mapa da Violência é muito claro, ao identificar que a grande maioria dos jovens mortos é de negros, pobres, com, no máximo, o ensino médio completo. Optar pelos pobres e pelos jovens é agir ao seu favor, quase todas as vezes contra o estado, contra a polícia.
O que tem se mostrado, nos últimos anos, no Brasil, é que o combate ao tráfico de drogas tem dois pesos e duas medidas. A polícia entra na periferia para matar o usuário, e entra nos apartamentos de luxo para algemar traficantes que saem caminhando e não vão pra delegacia no compartimento dos presos. Depois, na periferia as famílias choram as mortes de seus filhos, enquanto os grandes traficantes conseguem Habeas Corpus.
Não defendemos o crime. Defendemos urgente reforma no código penal e que os julgamentos e as punições legítimos sejam cumpridos tanto por pobres, quanto por ricos, respeitando sua dignidade.
Por fim, a Pastoral da Juventude de Salvador, nos seus 46 anos de história, nunca deixou de acreditar na mudança do sistema, a partir da ação do povo. Encantados pelo horizonte chamado Reino de Deus, ou Civilização do Amor, nunca deixamos de ser profetas da esperança. Acreditamos que outro mundo é possível e lutamos para construí-lo.
Amém. Axé. Awerê. Aleluia!
Fonte: Pastoral da Juventude da Arquidiocese de Salvador