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Vivendo o projeto de vida a partir da experiência da Pastoral da Juventude

 Vivendo o projeto de vida a partir da experiência da Pastoral da Juventude

Esse texto é uma iniciativa do grupo de trabalho da PJ Nacional que organizou estratégias em ocasião do setembro amarelo. No final dele, você poderá baixar um material especial para Grupos de Jovens. Baixe e divulgue.

Por Roberta Agustinho da Silva [1]

A palavra projeto vem de projetar, ou seja, de planejar algo futuro, mas engana-se quem pensa que esse futuro não apresenta relação com as experiências que fazemos no presente. É partir de quem somos e da realidade que estamos inseridos que vamos buscando compreender o que dá sentido ao projeto de vida, sendo esse um processo contínuo e permanente.

O projeto de vida é um percurso de discernimento pessoal e comunitário, para os/as jovens da Pastoral da Juventude – PJ está intrinsicamente ligado ao processo de educação na fé, que culmina na experiência da construção do Reino de Deus, tendo Jesus como modelo de ser humano.

Neste sentido, devemos refletir sobre quem foi Jesus Cristo e quais foram suas ações. Jesus era de Nazaré da Galiléia, filho de uma família humilde, buscou a justiça, foi formador e formando, teve amigos, questionou os poderosos da época. Na Exortação Apostólica “Christus vivit”, o Papa Francisco convida os/as jovens a olhar para vida e a missão de Jesus como fonte de inspiração “CRISTO VIVE: é Ele a nossa esperança e a mais bela juventude deste mundo! Tudo o que toca torna-se jovem, fica novo, enche-se de vida. Por isso as primeiras palavras, que quero dirigir a cada jovem cristão, são estas: Ele vive e quer-te vivo!” (2019, p.2).  

Fiel ao Evangelho e tendo uma perspectiva cristã que integra fé e vida, a PJ defende e promove a vida “Eu vim para que todos tenham vida, e vida em abundância!” (João 10, 10).Contudo, no sistema capitalista fomos acostumados/as a entender que o fracasso é uma responsabilidade pessoal. Quando não consigo o que projeto ou sonho, me sinto culpado/a, esse sentimento muitas vezes está descolado do entendimento da organização da sociedade. Ou seja, a compreensão de que a maioria não tem uma vida digna e justa, enquanto uma minoria tem demais em sua mesa e explora essa maioria. O que significa dizer que não é possível pensar o projeto de vida, sem pensar em alternativas que favoreçam a vida digna para todos e todas, como por exemplo, uma melhor distribuição de renda.

 É preciso ter cuidado para que lógica da culpabilização pessoal não adentre nossa perspectiva cristã. Muitos/as jovens em momentos desafiantes de suas vidas buscam as comunidades de fé como apoio e não é incomum que se depararem com um julgamento fundamentalista, de grande teor moralista e individualista. O que está em jogo aqui é se a Igreja vai ser um ponto de apoio ou outro problema para os/as jovens lidarem.         

Na experiência pedagógica da PJ, pensar o projeto de vida é favorecer o processo da formação integral[2]. Sabemos que esse é um longo caminho que vai desde a inserção em um grupo de jovens, até a construção de uma consciência crítica, portanto, precisamos superar um modelo de projeto de vida estanque. A proposta pjoteira de projeto de vida é integral, pois considera o ser humano com um todo. Lidamos com sujeitos reais, o/a jovem não é apenas um vir-a-ser. Uma perspectiva demasiadamente futurista pode vir a desconsiderar algo fundamental que é a possiblidade de viver essa dimensão do tempo atual. É no presente que vislumbramos horizontes e organizamos a ação.

Temos que buscar maior proximidade com os/as jovens, em uma postura afetiva e efetiva, evitando uma postura utilitarista e moralista. Deus é misericórdia! Deus é acolhida e Amor! É uma pena que muitos adultos/as se coloquem a julgar a juventude por representações equivocadas. Quem nunca ouviu, em sua juventude, generalizações do tipo “os/as jovens são violentos, são rebeldes ou são problemáticos, contudo, juventude é uma categoria plural e dinâmica, estando ligada a condições sociais e históricas. “… gosto de pensar que a juventude não existe e quem existe em seu lugar são os jovens” (PAPA FRANCISCO, 2018, p. 19).

É preciso aproximar-se dos/as jovens e escutá-lo/as, mas não é escutar para dar a resposta, é escutar para acolher, compreender, incentivando a organização da juventude, seja na dimensão pessoal do projeto de vida, seja na dimensão comunitária. O próprio grupo de jovens também pode organizar encontros que favoreçam a reflexão sobre o projeto de vida e a revisão de vida, a mediação dos pares pode ser muito significativa na experiência juvenil. Ainda que essa experiência não se dê de forma igual para todos/as, podemos identificar em alguns contextos e momentos históricos questões comuns que perpassam a vida dos jovens (MANNHEIM, 1982).

Fazer projeto de vida não é escrever em uma folhinha qual experiência profissional se deseja, ou participar de uma dinâmica para falar de si, o projeto de vida não é um cálculo matemático, nossa realidade não é linear, os percursos juvenis são labirínticos, ou seja, a vida  não é estática. Projeto de vida requer planejamento, mas é preciso ter presente qual o contexto social, político e econômico que faz com que as oportunidades dos/as jovens não sejam iguais. Há jovens que convivem diariamente com racismo, LGBTfobia, machismo, desesperança e com o medo de serem assassinados. A fome também assola muitas famílias, nesses contextos é mais difícil sonhar.

A perda do sentido da vida é outro dado alarmante em nossa sociedade, segundo o Conselho Federal de Medicina: “São registrados cerca de dez mil suicídios todos os anos no Brasil e mais de 1 milhão no mundo” (2014)[3]. Devemos ficar alertas com desânimo, isolamento, alterações no sono, irritabilidade, entre outros sinais, buscando oferecer ajuda, indicando um profissional de saúde, deve-se apoiar os/as jovens ou as pessoas em geral que possam estar demonstrando sofrimento. Diante desse cenário a PJ certamente tem desempenhado um papel importante no processo educativo com os/as jovens na medida que o grupo se torna um espaço de amizade e diálogo, se torna também um espaço de amparo e pertencimento.

Pensar o projeto de vida também implica, pensarmos a sociedade que queremos e nos organizarmos para somarmos forças com outros segmentos sociais que lutam por justiça. É compelir a lógica da nossa ação para além da responsabilização individualizada pelo fracasso, é superar a lógica do mérito, o projeto de vida não é meramente uma responsabilidade pessoal, mas uma responsabilidade coletiva, da qual a PJ não pode se eximir. Que disposição os/as assessores/as e as lideranças estão demonstrando em chegar nessas juventudes?  No lugar onde não chega o Estado, os direitos, não chega ninguém, a Igreja tem que chegar! E não  deve chegar de qualquer jeito, a construção do Reino de Deus vai nos exigir uma postura humanizada. Nenhum jovem será capaz de sonhar ou planejar seu projeto de vida com fome ou com medo.

Hoje temos vivido um tempo na Pastoral da Juventude de ir ao encontro das Galileias juvenis, considerando que a Galileia nos tempos de Jesus era um lugar afastado do centro de poder, cabe a PJ hoje alcançar também essas periferias. Os galileus no tempo de Jesus eram considerados sem prestígio, era um lugar de excluídos e excluídas. Jesus, também chamado de o Galileu, sentiu na pele os preconceitos e fez sua opção pelos/as empobrecidos/as, seguiu alargando fronteiras e vencendo barreiras. Quando pensamos nosso projeto de vida em sua dimensão comunitária, devemos nos interpelar se não estamos deixando ninguém para trás.

Há grupos que primeiramente pensam que precisam se formar para depois agir, ou pode-se dizer organizar a sua realidade para depois incorporar em sua prática a missionariedade, esses grupos normalmente nunca saem disso e se tornam um grupo de “Igreja sentada” (BORAN, 1977). Em 1977 o padre Jorge Boran já nos alertava do perigo da “Igreja sentada”, depois de tantos anos o Papa Francisco nos convida a ser uma Igreja em Saída, afinal enquanto ficarmos esperando uma pastoral pronta e acabada para agir, muitos/as jovens continuaram sangrando em suas Galileias, sejam elas existenciais ou sociais.

Quantas paróquias verdadeiramente se preocupam com a vida da juventude? Padres, leigos/as, religiosos/as, onde está o centro da ação pastoral da comunidade que participam? Não estou aqui falando de ativismo sem reflexão, mas é desanimador perceber que muitas das nossas paróquias tem se tornado uma “paróquia de bingos”, você chega para uma reunião e a pauta é a quermesse, o bazar, a rifa e etc. E quando não, na outra ponta temos os grandes templos, uma Igreja midiática, dos milhões, do ornamento caríssimo, “o mercado da fé”. Não é suficiente para ação pastoral profética ter um grupo de jovens na comunidade (algumas comunidades nem grupo de jovens tem), mas é preciso que esse grupo se constitua na sua identidade, articule-se com outros grupos. O grupo não é do padre, o grupo não é dos adultos, o grupo não é da paróquia, o grupo é dos/as JOVENS, para viver a experiência cristã no mundo.

Diante de tantas contradições sociais, dentro da própria Igreja e internamente na PJ, podemos desanimar, mas lembrem-se: não somos seres acabados, há muitos sinais de luz também, quantas missões jovens, a campanha em defesa da vida das mulheres, coletivos em defesa da Amazônia, coletivos em defesa das juventudes LGBTQIA+, Santos e Santas que doaram suas vidas, a luta em defesa da juventude negra que também é uma causa que defendemos, estamos nos movimentando e por mais desafios que possam existir é possível darmos passos coletivamente para resistirmos aos retrocessos e avançarmos na garantia de direitos.

Que a esperança nos acompanhe e nos desacomode, precisamos semear mesmo em dias nublados. Para fazer o projeto de vida, vamos buscar e lutar pela justiça, pelos direitos humanos, mas a justiça não está pronta, ela tem que ser conquistada com muitas mãos.

Esse que em mim envelhece
assomou ao espelho
a tentar mostrar que sou eu.

Os outros de mim,
fingindo desconhecer a imagem,
deixaram-me, a sós, perplexo,
com meu súbito reflexo.

A idade é isto: o peso da luz
com que nos vemos.

Mia Couto

Referências:

  • BORAN, Jorge. O senso crítico e o método ver, julgar e agir, para pequenos grupos de base. São Paulo: Loyola, 1977.
  • FRANCISCO, Papa. Exortação apostólica pós-sinodal Christus Vivit. 2018, disponível em: http://www.vatican.va/content/vatican/pt.html
  • FRANCISCO, Papa. Deus é jovem: uma conversa com Thomas Leoncini. São Paulo: Planeta do Brasil, 2018.
  • MANNHEIM, Karl. O problema sociológico das gerações. In: FORACHI, Marialice Mencarini. Mannheim. São Paulo: Ática, 1982.

[1] Roberta Agustinho da Silva é Pedagoga, mestra em Educação, atua como diretora de educação básica na Rede Municipal de Votorantim e compõe a Comissão Nacional de Assessores e Assessoras da PJ.

[2]No material Somos Igreja Jovem é possível encontrar um aprofundamento das dimensões da formação integral, é importante fazer a leitura.

[3] Para maiores informações consulte: www.setembroamarelo.com

Thiesco Crisóstomo

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