Um chamado a olhar a nossa relação com Deus e com a comunidade

Por Robson Oliveira

Estamos vivendo o tempo quaresmal, tempo forte de reconciliação da nossa vida, com Deus e com as pessoas. Tempo que nos ajuda a voltar a viver a aliança de Deus com o povo, tempo de conversão e renovação, que nos indica duas dimensões fundamentais para a nossa existência: a nossa relação com Deus, e a nossa relação com os irmãos e irmãs.

No 3º domingo da Quaresma, a Palavra de Deus nos inspira a uma observância das nossas relações. Devemos destacar que as observâncias da lei que Deus pede ao povo Judeu, após a libertação do Egito, não está desassociada ao cuidado com os irmãos e irmãs, a lei de Deus professada por Jesus, é o amor, o cuidado, a fraternidade e a justiça social.

Na primeira leitura deste domingo, Êxodo 20, 1-17, traz um conjunto de tradições que se referem à Aliança com Deus, reveladas a Moisés para o povo, os “10 Mandamentos”, o Decálogo, em que os três primeiros mandamentos direcionam a relação com Deus, e os sete definem a relação com a comunidade. Após a libertação do povo do Egito, Deus oferece maneiras de alcançar sempre a liberdade, pois Deus é aquele que nos livra dos grilões (Ex 20, 2). Os mandamentos nos direcionam para a liberdade, para romper com os tempos da escravidão, para a centralidade de um Deus que liberta. A lei de Deus indica o caminho para sair da “casa da escravidão” e chegar à plena liberdade junto a Ele: “Vocês viram o que eu fiz aos egípcios e como carreguei vocês sobre asas de águia e os trouxe para junto de mim” (Ex 19, 4).

As leis de Deus são um chamado à liberdade e a libertar, a fazer frente a tudo que escraviza ou mata os irmãos e irmãs. São caminhos que oferecem ao povo nunca mais voltar à escravidão, a conservar a liberdade, a viver na justiça e fraternidade, a ser um povo organizado e sinal de Deus no mundo, a ser a resposta de Deus ao clamor da humanidade, a preservar o meio ambiente como casa feliz para o povo sobreviver; ser um anúncio e amostra daquilo que Deus quer para todos e chegar à prática perfeita do amor a Deus e ao próximo.

A segunda leitura, a primeira Carta de São Paulo aos Coríntios, é um chamado de atenção, ela nos coloca diante de mais uma aliança, Deus que envia seu filho para nos libertar. Os gregos buscavam a sabedoria filosófica e judeus buscavam os milagres de um messias poderoso. A lógica de Deus quebra as nossas expectativas, ela é o escândalo para os judeus e loucura para ou gentios (1Cor 1, 23), pois em Jesus, Deus se apresenta uma lógica amorosa e simples, que se doa na Cruz, e que denuncia toda forma de escravidão confirmando sua aliança na Cruz.

A Cruz de Jesus é uma consequência da sua opção de trazer um Deus que nos liberta a todo momento, um Deus que nos tira da servidão para a liberdade (Gl 5, 1). No templo, Jesus se depara com tudo que contraria a lei de Deus, se depara com escravidão, com o poder, com a idolatria e com a exploração. O Evangelho deste 3º domingo da Quaresma (Jo 2, 13-25), narrado pela comunidade de João, relata um episódio presente em todos os Evangelhos, e situa-se historicamente como uma das principais causas da prisão, paixão e crucificação de Jesus, podemos situar esse evento alguns dias antes da prisão de Jesus.

Ela se dá próxima à Páscoa dos Judeus, onde Jesus, peregrino em Jerusalém, como profeta de Deus se opõe abertamente ao poder religioso, civil e político do seu tempo. É um mesmo sopro libertador que inspira os da Lei de Deus (1ª leitura) e a narrativa de João dos vendedores expulsos do templo. Nos dois casos, os crentes de ontem e de hoje são chamados a livrar-se do culto dos ídolos que ameaça, incessantemente, escravizá-los.

O culto prestado a Deus no Templo de Jerusalém, na Páscoa, fazia memória da grande libertação, de um Deus que nos deu a liberdade, mas que contrariamente se fazia ao transformar a casa de Deus num mercado. Os líderes judaicos tinham suprimido a presença de Deus, além disso, o culto celebrado no Templo era algo nefasto: em nome de Deus esse culto criava exploração, miséria, injustiça e, por isso, em lugar de potenciar a relação do homem com Deus, afastava o homem de Deus.

Jesus, filho de Deus, indignado com a situação vem romper o culto da opressão, libertando-nos da imagem perversa de Deus. Ao expulsar os vendedores, os animais, Ele propõe uma nova relação com Deus, Jesus revira não somente as mesas, mas também a maneira de reencontrar Deus. Deus não está mais trancado em um templo de pedras, o novo templo de Deus é Cristo que levou três dias para se levantar, para ser ressuscitado, e este templo, hoje, são os cristãos e as cristãs de todos os tempos que são eles próprios o Corpo de Deus. Cristo ressuscitado. Isso significa que o Cristo de João dessacralizou os templos de pedra para sacralizar os templos de carne: os humanos que carregam o Deus vivo dentro deles, nos faz portadores e portadoras da boa nova, onde o templo nos ajuda a vivermos em comunidade, partilhando o pão.

Nas palavras e nos gestos de Jesus, Deus revela-Se aos homens e manifesta-lhes o seu amor, oferece aos homens a vida plena, faz-Se companheiro de caminhada e aponta-lhes caminhos de salvação. E o evangelista João o diz explicitamente: “Mas o templo de que Jesus falava era o seu corpo” (Jo 2, 21).

Em seu ato Jesus nos faz refletir quais são as prioridades da nossa fé? Sacralizamos mais os livros, as tradições, as instituições, os prédios, os ritos e doutrinas? Jesus nos direciona para aquilo que é central em sua missão: Deus e o próximo.

Robson Oliveira é historiador, mestre em Planejamento Urbano e Regional (Univap), a serviço da Coordenação Nacional da Pastoral da Juventude pelo Regional Sul 1 e agente pastoral no Centro Magis Anchietanum.

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