A relação dos/as jovens com o trabalho em contexto da pandemia covid-19: um desafio para a assessoria

Por Roberta Agustinho da Silva[i]

No processo de acompanhamento dos/as jovens é importante reconhecer que a juventude brasileira é uma juventude trabalhadora. Assim como destacado no evangelho que Jesus viveu sua experiência humana tendo como elemento importante sua condição de classe social “Não é ele o filho de Maria e José, o carpinteiro” (Mt 13,55), os/as jovens pjoteiros/as em sua maioria não só fazem a opção preferencial, como Igreja, pelos/as empobrecidos/as, mas são pobres, persistindo diariamente na luta pelo pão de cada dia.

Durante esse contexto da pandemia de COVID-19, tenho conversado com vários/as jovens. Todos os discursos trouxeram direta ou indiretamente, uma relação com o trabalho: a angústia por estar ou vir a ficar desempregado/a, a indignação de ter o contrato suspenso e ficar sem salário, a tristeza de ter sido mandado embora, o medo de não conseguir um emprego por um tempo prolongado, o incomodo de depender dos pais financeiramente, a intensificação do trabalho home office, o desespero de precisar ajudar a família de alguma forma, entre tantos sentimentos ligados a centralidade do trabalho. Tudo isso exige da assessoria uma escuta sensível, mas também uma aproximação com mediações que apontam “frestas” em um sistema que pisa nos sonhos dos/as jovens.

Pessoas usando máscaras no centro de São Paulo. NELSON ALMEIDA / AFP

Nos escombros da invisibilidade encontra-se também o trabalho doméstico. Jovens mães partilharam suas experiências, algumas situações se acentuaram pós pandemia, o compromisso de amparar os filhos/as nas aulas virtuais[1], a organização da casa e a busca por renda, revela que o gênero é fator relevante para o aumento das horas de trabalho na jornada das mulheres.

Entre situações excepcionais ou não tão excepcionais desse cenário bem conhecido dos/as jovens mesmo antes da pandemia, olho com muita alegria para os caminhos alternativos criados/as pelos próprios jovens/as. Quantas redes de apoio, a criatividade das lives, o compromisso do projeto de vida implicado na construção de políticas públicas e mandatos populares, a defesa da ecologia integral, a arte, a economia solidária, os coletivos de mulheres e as comunidades homoafetivas realizando campanhas de amparo a vulnerabilidades, as cooperativas, as campanhas que auxiliam mulheres vítimas de violência[2], tantas inciativas que propõe uma outra lógica: a da economia de Clara e Francisco.

Somos convidados/as como assessores/as a fazer uma aproximação dos/as jovens em nossas realidades. Ainda que o momento não permita o encontro pessoal, as ferramentas tecnológicas estão aí para nos auxiliar. Sabemos que o ministério da assessoria não nos confere competências de pessoas perfeitas, mas metade do caminho se faz na disponibilidade. O/Aa jovem precisa sentir que antes de mais nada o/a amamos/as e estamos dispostos a refazer o caminho com eles/elas.

É obvio que a assessoria não se faz apenas no acompanhamento pessoal. Os processos pastorais e coletivos na construção do Reino de Deus, Reino de Justiça e Amor, também irão nos exigir tempo e compromisso. A pessoa do jovem, o grupo e missão caminham juntos.

Nesse processo da assessoria em que gerações mais velhas e gerações mais novas se dão as mãos, me remeto a pensar nos idosos/as. Como é para o/a jovem olhar para seus avós: Que memórias afetivas permeiam os significados dessas histórias? Será que a nossa sociedade vai descartar nossos/as velhos/as? Quem é essa gente improdutiva? Na exortação apostólica Cristo Vive o Papa Francisco motivava a juventude a refletir sobre essa relação com os idosos/as.

Pensemos nos/as idosos/as, que tem sido estigmatizados nesse período da pandemia e nos/as demais invisibilizados. O morador/as de rua, os/as sem documentos, os/as excluídos/as dos excluídos/as. Quem não consome não tem vez por aqui e isso não é fato novo visto que esse sistema neoliberal produz a cultura do descarte. Quem nunca escutou o termo pejorativo atribuído aos/as jovens “nem-nem”, nem estudam e nem trabalham. A culpabilização individual por problemas estruturais é muito sentida no meio juvenil. E revela mais um traço do neoliberalismo.

2020. REUTERS/Joshua Lott

Os corpos negros têm sido violados pelo sistema ancorado em um modelo escravocrata. Foi essa a lógica presente quando escutei a partilha de um jovem: “fui parado pela polícia quando passeava com minha namorada”. O retrato do “vagabundo” tem cor, é o menino preto da periferia. Contudo é preciso combatermos estereótipos ligados ao gênero e a raça. É o/a próprio/a jovem negro/a que deve ter a voz para dizer de sua identidade.

Do lugar da empatia o assessor/a vai tentando colaborar para que os/as jovens não percam suas esperanças, sacode o discurso da impotência que quer nos abocanhar, recupera histórias de representatividade, mira em Jesus que não deixa ninguém para traz, busca apoio em outros/as amigos assessores/as, estuda e movimenta-se refletindo sobre o que podemos aprender com tudo isso. Não será fácil, mas o assessor/a é por vocação alguém que acredita e que possui esperança.

Por fim, quero destacar que também fui motivada a escrever em ocasião da celebração do dia 1º de maio, dia internacional do trabalhador e da trabalhadora. A pandemia convid-19 escancarou as contradições do mundo do trabalho, portanto é preciso nos mantermos organizados/as e não descuidarmos do valor primeiro que é a vida, jamais o lucro.

Que Deus Mãe e Pai de bondade nos console, na esperança de que esse tempo vai passar trazendo dias de mais justiça.


[1] A educação é um assunto que não vamos aprofundar nesta reflexão, mas este também é um tema bem relevante no contexto juvenil. Estamos em um momento de outras aprendizagens, como a da conivência em família e dos valores humanos, a preocupação em cumprir o calendário letivo a qualquer custo leva a exaustão alunos/as, pais/mães e professores/as, não podemos ignorar ainda que muitas famílias não têm acesso a internet.

[2] A assessoria deve aprofundar-se na Campanha Nacional de Enfrentamento aos Ciclos de Violência contra a Mulher realizada pela PJ.


[i] Roberta Agustinho da Silva é Pedagoga, mestra em Educação, atua como diretora de educação básica na Rede Municipal de Votorantim e compõe a Comissão Nacional de Assessores da PJ.

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