Dia Internacional de Luta dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Campo

26 anos de feridas que nunca cicatrizam

As marcas que a história carrega tem fortes consequências em como o presente é construído, implicando diretamente em como o observamos, interpretamos e nele geramos transformações. Esse é um processo crucial para formação da rebeldia, indignar-se ao perceber os impactos das injustiças do passado construindo nosso futuro. Infelizmente no Brasil nossas memórias não nos trazem orgulho, elas são carregadas de exploração e lutas por condições dignas de vida. O campo brasileiro foi o principal cenário desses embates, que remetem das lutas de libertação dos povos negros durante o período colonial até a atualidade com os camponeses que são expulsos de suas propriedades ou tem negado seu vinculo com a terra. Esse processo que tem início no projeto da Lei de Terras, que em 1850 já delimitou que os negros libertos, povos originários e posseiros deveriam se submeter à exploração para trabalhar tem reflexos no cenário atual do campo, onde ainda prevalecem os grandes latifúndios e o uso exploratório da mão de obra.

O Dia de Internacional da Luta dos/as Trabalhadores/as do Campo tem como marco histórico a data 17 de abril, com o intuito de relembrar o massacre de Eldorado dos Carajás ocorrido em 1996. Nesse confronto desproporcional ocorrido entre sem-terras e a Polícia Militar do estado do Pará, 21 militantes sociais que participavam de um acampamento da reforma agrária foram assassinados por reivindicarem terras para trabalhar. Os homicídios ocorridos tiveram na época repercussão nacional, tornando público o envolvimento dos latifundiários da região, que pagaram propina para comandantes da PM matarem as lideranças do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST). Após 26 anos desse horrível crime, poucas coisas mudaram, aumentando drasticamente os números de mortes no campo durante os últimos anos. Segundo o Relatório da Comissão Pastoral da Terra, analisando os meses de janeiro a agosto de 2021, ao comparar as mortes em conflitos no campo entre os anos de 2020 e 2021 foi registrado um aumento de 1044% nos casos, que de 9 por ano subiu para 103. A maior parte das mortes, 101, são atribuídas à defesa dos territórios indígenas Yanomami, população em maior vulnerabilidade no campo brasileiro.

Somente em 2021 vivemos 5 Eldorados do Carajás levando em consideração os números elencados pela CPT. Em uma média simplificada, a cada 4 dias morre uma pessoa no campo por lutar em defesa de suas terras e sua comunidade. Esses números, complementados pelas ameaças e pressões psicológicas, são as respostas vindas quem entende que a maneira de resolver o problema da falta de terra para muitos e a improdutividade dos latifúndios de poucos é papel da polícia e não dos órgãos de serviço social, o que continuará causando diversos massacres como o de Eldorado dos Carajás. Recordar essa data não remete somente em fazer a memória dos mártires da luta pela terra, mas, também, atua como uma fonte de indignação para aquecer as lutas do presente. É necessário entender que em cada mobilização por reforma agrária no mundo, as pessoas tomam para si a mesma luta que travaram os sem-terra do Pará, que enfrentaram militares com seus instrumentos de trabalho e com sua rebeldia. E justamente nessa coragem e na determinação pela mudança de suas condições de vida que devemos nos inspirar para encarar os próximos momentos do Brasil, construindo alternativas e conquistando terra para quem nela quer trabalhar e, por consequência, produzir comida saudável para todos os brasileiros. Essa foi a luta dos sem-terra no Pará em 1996 e, mais do que nunca, continua sendo nossa luta atualmente em todos os estados do Brasil!

PREFIRO MORRER NA LUTA DO QUE MORRER DE FOME! – Frase atribuída à Roseli Caldart e Margarida Alves, duas camponesas que dedicaram suas vidas para defender um pedaço de terra para alimentar suas famílias.

Gabriel Argenton

Levante Popular da Juventude /RS

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