Os homens e a cruz: brutalidade, absurdo, bondade e ternura

Por Padre Maicon Malacarne*

Hoje é o dia que não temos nada. Tudo é absurdo! Como Deus pode permitir isso? Tudo está vazio. É um elogio a nudez. Ouvir, mais uma vez, o longo evangelho de João faz-nos sentir nos escombros. Hoje aprendemos mais uma vez, e talvez com a pandemia melhor do que nunca: não temos nada! Vazio.

No episódio da cruz, há gente cheia de brutalidade – homens armados, agressivos, manipuladores, violentos – há espada fora da bainha, há raiva explodindo, há gritos de ódio: crucifica-o! Crucifica-o! São governantes, militares, sacerdotes os protagonistas varonis… Essa brutalidade tem muito da histórica desumanização que é denunciada no caminho do calvário. Jesus é a vítima suprema de toda violência do mundo. Nele reconhecemos os crucificados, os rejeitados, os silenciados para a vitória dos “mais fortes”. O crucificado é um absurdo porque mesmo no alto da cruz consegue ser terno, amoroso e aponta reconciliação.

Gostaria de lembrar que vivemos tempos de acentuada violência contra as mulheres. Uma violência que se traduz de muitas formas: simbólica, psicológica, financeira, doméstica, sexual, midiática… E nesse contexto é importante fazer perguntas: o que é ser homem? É ser bruto e cheio de virilidade como Pedro que quer resolver na espada? Qual a masculinidade que a cruz aponta? Pedro, o viril, logo que pressionado, conseguiu dizer apenas: “não sou seguidor de Jesus”.

Na cruz, é possível (extremamente possível!) escolher o caminho da ternura e da bondade. A cruz também apresentou homens marcados por essa experiência. Teve Cirineu que silenciosamente ajudou Jesus carregar a cruz. José de Arimatéia, discípulo oculto, pediu a Pilatos o corpo de Jesus para ser sepultado. Nicodemos preparou generosamente um perfume para ungir o crucificado. No pé da cruz, um grupo de mulheres que tinha nome e identidade era acompanhado por um homem, sem armas e sem atitudes violentas. O evangelho o nomeia de “discípulo amado”. Jesus concedeu a ele como herança o amor da sua mãe: “Filho, eis a tua mãe”.

Obra de Cerezo Barredo

O discípulo amado, Cirineu, José da Arimatéia, Nicodemos testemunham a capacidade de uma nova masculinidade marcada por gestos cotidianos de ternura e de bondade, de reconciliação, de mudança nos paradigmas e de fidelidade permanente. Eles já experimentam a ressurreição por causa do amor.

O vazio desse dia vai revelando fios de esperança a partir das testemunhas fiéis que nos fazem visualizar melhor, pisando os escombros, o raiar do sol nascente que logo há de chegar.

*Pe. Maicon A. Malacarne é coordenador de Pastoral na Diocese de Erexim/RS e pároco na Paróquia Nossa Senhora Aparecida de Erexim/RS. Foi membro da Comissão Nacional de Assessores da PJ entre 2017 e 2020.

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