Se és filho de Deus… Aproveite!

Por Roneide e Wellington Moreira

Ao começar a Quaresma iniciamos a preparação para o tempo mais significativo de nossa fé. A Páscoa é o nosso objetivo, é a utopia a ser concretizada durante e até o fim do percurso. Ao darmos esses primeiros passos, somos convidados a questionar: como realizá-la? Por isso estamos em um período de maturação.

O trecho do Evangelho (Lc 4,1-13) deste 1º Domingo da Quaresma (ano C) remete ao princípio da caminhada de Jesus em sua missão. Ele ainda está maturando o Reino de Deus. Tem em mente, muito claro, o “que é” e o seu “porquê”. Sua questão parece ser “como fazê-lo”.

Ocorre o mesmo com cada um de nós diante de nossos dilemas, com cada jovem perante os desafios que a vida adulta começa a apresentar. Em certos momentos cruciais em nossa vida, podemos, muitas vezes, saber o que fazer e porque devemos fazer. Porém, sempre fica a questão de qual a melhor forma de proceder.

A frente desses dilemas e desafios cabe fazermos como o Mestre: deixar-nos guiar pelo Espírito. Diariamente vemos as mazelas da nossa sociedade (fome, desemprego, carestia, guerras, crise climática…). Portanto, conhecemos a realidade que nos cerca e sabemos o que é preciso para mudá-la. Sabemos porque a conhecemos na pele. A questão, novamente, é “como”.

Com efeito, o deserto quaresmal é necessário para discernir como mudar essa realidade, como chegar à utopia, como concretizar o Reino.

Esse discernimento, essa maturação necessária, que se faz desde o início do caminho, encontra obstáculos. Como ocorreu com Jesus, também nós somos tentados a não percorrer essa estrada, mas outra. Somos tentados a desviarmos e tomar outro rumo.

É interessante observar que as tentações podem ser sutis, veladas e, assim, mais perigosas e perspicazes. No Evangelho, o “jovem e imaturo” Jesus é tentado pelo título de Filho de Deus. O tentador usa as próprias Escrituras Sagradas para persuadi-Lo.

É quando o Nazareno está com mais fome, fraco e vulnerável, que é tentado a provar que é o Primogênito do Altíssimo, e fazer uso do poder que lhe cabe para saciar uma necessidade básica e legítima para qualquer pessoa. Por que não, se preciso e posso? Não é meu direito?

É, praticamente, nessa mesma linha que se seguem todas as tentações. Direito nato, merecimento, prestígio. Tudo isso é muito tentador, e muito mais quando revestido de religiosidade ou sacralidade.

Em síntese, o que se propôs a Jesus no deserto pode ser assim colocado nos dias de hoje: “Se és Filho de Deus, aproveite!”. Mas Ele, demonstrando o resultado do processo de seu amadurecimento, responderia: “Sim, sou. Mas isso não me dá o direito de ter tudo o que quero, na hora e do jeito que quero, deixando o que sobra para os outros”.

Ele abriu mão do seu “direito” em prol da vontade do Pai, que é o Reino de justiça e paz para todos os Seus filhos. Aproveitar-se do título de Filho de Deus garantiria a vida plena para todos? Em que isso ajudaria seus irmãos?

Sabemos qual foi a opção de Jesus diante de todas as tentações que apareceram durante seu caminho, e que pretendiam desviá-Lo de seu testemunho de amor extremo na cruz. Lembremos que para Pedro, em passagens mais a frente do Evangelho, o Cristo deveria fincar tenda no alto do monte, translúcido acima de todos, antes do fim de sua caminhada (Lc 9,28-36), e que o Messias não poderia submerter-Se à vontade do Pai (Mc 8,31-33).

Essa opção de Jesus, abrindo mão de si em prol do próximo, deve ser repetida também em nosso dia a dia, nas situações mais complexas e nas mais corriqueiras.

Isso faz lembrar um fato simplório, mas carregado de importante simbolismo, ocorrido no começo do papado de Francisco sobre sua residência. O Papa não tem direito a morar no Palácio Apostólico? Quem tem, se não ele?

Mas Francisco optou por residir na hospedaria do Vaticano, a Casa Santa Marta. O que este pequeno gesto do Papa significa para nós?

Quantas vezes somos tentados por privilégios, por ofertas convenientes, pela exclusividade de algum serviço ou bem de consumo? Em cada momento desse, o cristão é lembrado pelo Evangelho deste domingo a questionar se isso vai aproximá-lo ou afastá-lo do verdadeiro caminho do Reino, que é amor aos pobres, vulneráveis, excluídos e injustiçados.

Roneide e Wellington Moreira são assessores da Pastoral da Juventude da Diocese de Rio Branco, Acre.

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