Uma comunidade ressuscita

Uma comunidade ressuscita

5º domingo Quaresma – Ano A

1ª Leitura – Ez 37,12-14
Salmo – Sl 129,1-2.3-4ab.5-6.7-8 (R.7)
2ª Leitura – Rm 8,8-11
Evangelho – Jo 11,1-45

Por Jaiane Seulim*

Querida juventude, envolvidas e envolvidos nesse tempo de preparação para a Páscoa, a liturgia desse 5º domingo da Quaresma nos convida a sermos perseverantes em nosso processo de conversão seguindo o exemplo da comunidade de Betânia na Judeia. Os textos previstos falam sobre profissão de fé, ressurreição e esperança naquele que nos salvará.

O nosso Deus, Deus da esperança e da Aliança, da nova e eterna Aliança, fala na 1º leitura em Ez 37,12-14 de sua promessa que anuncia a esperança da ressurreição de um povo. Um povo que vai receber o direito de voltar à sua terra e cujo Espírito de Deus estará nele. O livro do profeta Ezequiel, escrito no período do Exílio, tem como tema da ressurreição um ponto importante. De um povo morto, colocado em sepulturas, as quais serão abertas e promoverão a ressurreição deste mesmo povo.

No Salmo 129,1-2.3-4ab.5-6.7-8, o salmista ciente da falta para com Deus, do desvio da comunidade de Israel, assume a culpa e espera no Senhor Redentor, aquele que virá por Israel trazendo libertação. Esses dois textos estão sob uma atmosfera de um povo que reconhece desvio da Aliança e que espera o perdão e redenção de seu Deus. Junto, é preciso lembrar, que no Antigo Testamento, cresce uma esperança de um messias que Deus irá mandar para salvar seu povo.

Já a 2º leitura que está em Rm 8,8-11, fala do Espírito que ressuscitou Jesus dos mortos mora em nós. Veja bem, o mesmo Espirito que lá na primeira leitura é posto no povo ressuscitado pela mão de Deus, aqui é o Espírito daquele que ressuscitou dos mortos. Aqui o contexto é diferente das duas primeiras leituras, pois Jesus Cristo já ressuscitou vencendo a morte. A comunidade cristã já conhece a pessoa de Jesus e o assumiu como Messias Redentor.

As três primeiras leituras vão fazendo uma costura da história e esperança de um povo, um povo que corrompido – Israel no Exílio – clama pela redenção do Senhor – o clamor do salmista – e dentro da comunidade cristã é exortado a crer que Jesus, pela sua ressurreição, é a realização da promessa do Deus do Antigo Testamento.

Agora, o evangelho da ressurreição de Lázaro (Jo 11,1-45), é a síntese e o aprofundamento dessas três primeiras leituras. O evangelho de João foi escrito no final do séc. I para animar as comunidades que passavam, assim como as nossas de hoje em dia, por turbulências na fé em Cristo.

O cenário é a comunidade de Betânia, os personagens, Maria, Marta e Lázaro que são apresentados como irmãos, poderiam ser os membros da comunidade. Um membro, o irmão de Marta e Maria, adoece e a comunidade mandar chamar o Senhor. Lázaro morre antes da chegada de Jesus para revelar sua glória. As irmãs – ou a comunidade- se entristecem e estão de luto. Há, ainda, outros judeus consolando as irmãs pela perda do ente querido.

Jesus recebe o recado, mas espera, fica ainda dois dias no lugar onde estava. Quando decide voltar à Judeia, vejam bem, expor-se aos judeus que queriam apedrejá-lo, os discípulos os questionam “Mas mestre os judeus querem te apedrejar, e vais de novo pra lá?”. Jesus, responde que as horas do dia ainda não estão completas, então é preciso continuar a trabalhar.

Importante lembrar que a ressurreição de Lázaro está colocada numa crescente de sinais que formam a primeira parte do evangelho de João. Ao total são sete sinais, ao começar em Caná com vinho da festa de casamento, depois a cura do filho do funcionário do rei, a cura do paralitico, a partilha dos pães, Jesus caminha sobre as águas, a cura do cego de nascença e a culminação é a ressurreição de Lázaro, marcando o sétimo sinal. O número sete na bíblia refere-se à totalidade definida, a perfeição, acabamento. Jesus não chegaria à plenitude de suas ações se não ressuscitasse Lázaro. Por isso Jesus se refere às doze horas do dia, a luz do dia ainda não havia findado, ele tinha que continuar sua prática de salvação.

Jesus chega à entrada de Betânia, porém ainda não entra na comunidade. Quando soube da notícia da chegada do Senhor, Marta corre ao encontro dele, Maria continua na casa com os judeus, sentada. Marta imediatamente diz a Jesus no v. 21 “Senhor se estivesses aqui meu irmão não teria morrido”. Por um lado, essa fala de Marta reconhece que a presença de Cristo é uma presença de vida na comunidade, a ausência dele, gera a morte. Por outro, Marta ainda não se desprendeu da compreensão judaica de ressurreição no último dia. Quando Jesus afirma “Seu irmão vai ressuscitar”, Marta responde que sim, mas somente na ressurreição do último dia, assim como era a crença dos judeus. Marta não entende, contudo, a novidade da vida em Jesus Cristo. Jesus precipita a vida desde já, a ressurreição do irmão Lázaro é agora e não mais relegada ao último dia.

Acontece então, aquilo, que poderia ser por si só o evangelho desde final de semana, Marta confessa a fé em Jesus Cristo. Quando Marta, no v. 27 proclama o credo dizendo “Sim, Senhor. Eu acredito que tu és o Messias, o Filho de Deus que deveria vir a esse mundo” a comunidade de João assume sua profissão de fé. E vejam que Marta não o faz como moeda de troca, pois seu irmão não havia ressuscitado ainda, ela apenas crê no Messias enviado por Deus a esse mundo.

Nessa confissão de fé acontece também o encontro com os textos do AT deste final de semana que falam sobre a promessa de Deus em Ezequiel de abrir as sepulturas e conduzir seu povo para a terra de Israel, e também no salmo a esperança de redenção naquele que vem libertar Israel de toda a sua culpa. Vejam bem, os dois textos do AT falam da expectativa da ação de Deus. Essa expectativa veterotestamentária de redenção se cumpre na vinda do Messias, o enviado de Deus a este mundo para nos salvar. É exatamente dessa expectativa que estão repletas as palavras que saem da boca de Marta. Jesus cumpre a esperança de redenção de Israel.

Maria tinha ficado na casa, junto com os judeus, esses que estavam prestando solidariedade às irmãs pela morte do irmão. Jesus não vai à casa porque não compactua com essa ideia, para ele Lázaro continuaria vivendo. Sua morte foi para a glória de Deus. A casa aqui simboliza aqueles que acreditam que Lázaro estava morto, não havia mais nada a fazer, se não demonstrar solidariedade na morte irremediável. Jesus, porém, quer ser levado para onde Lázaro está, para promover vida.

Maria, ao ficar sabendo que o Mestre havia chegado foi correndo ao seu encontro e ajoelhou-se aos seus pés, e repetiu quase as mesmas repreensoras palavras de Marta: “Senhor, se estivesses aqui, meu irmão não teria morrido”. Jesus não a responde, mas viu que elas e os judeus estavam chorando. Maria mesmo crendo em Jesus não compreende as consequências de sua fé, consequências que são vida e não de morte. Jesus se comove com o pranto, e pergunta por onde Lázaro fora colocado. Dentre os judeus que os acompanhavam haviam aqueles que se admiravam com o amor de Jesus tinha para com Lázaro e outros que questionavam se Jesus não deveria ter impedido a morte de Lázaro.

O cenário – uma gruta fechada com uma pedra

Jesus ao chegar ao túmulo, que era uma gruta fechada com uma pedra, ordena no v. 39 “Tirem a pedra”. Aqui João apresenta informações bastante precisas do lugar em que o morto foi colocado, trata-se de uma ‘gruta fechada com uma pedra’. Essa descrição remonta ao sepulcro dos patriarcas, a origem do povo de Israel, refere-se ao antigo modo de sepultar dos israelitas. Há, aqui, uma contraposição como o novo túmulo que Jesus será colocado, um lugar em que ninguém havia sido posto (Jo 19,41). Lázaro é colocado, então, no sepulcro antigo, conforme a tradição israelita.

A antiga compreensão judaica – Já está cheirando mal

À ordenação de Jesus, Marta responde na sequência: “Senhor, já esta cheirando mal. Faz quatro dias.” Observem vocês que essa informação é repetida pela segunda vez nesse texto, ela já apareceu lá no v. 17. Isso significa que a crença dos judeus sobre a ressurreição acontecer no último dia era forte na comunidade de João. Junto a isso se somava o pensamento de que a morte era definitiva a partir do terceiro dia, quando o corpo começa a se decompor. Assim Lázaro estaria definitivamente morto, não havendo mais nada a ser feito na concepção judaica. Há, ainda, a simbologia do número “quatro” que significa totalidade indeterminada, que não se pode precisar o limite. A repetição dessa frase no mesmo texto reforça a interpretação de duas coisas: 1) a vida que Jesus oferece supera a compreensão de ressurreição judaica; 2) Lázaro não está morto para sempre, esta numa condição de indeterminada.

A ressurreição de uma comunidade e um povo!

Se no v. 27 Marta confessa Jesus como o Messias esperado pelo AT, cumprindo a promessa da primeira leitura de Ezequiel. Agora no v. 39, Jesus mesmo se apresenta como o que ordena “Tirem a pedra”, cumprindo a promessa de Ezequiel 37,12 “Ó meu povo, eu vou abrir as vossas sepulturas”. Aqui com o sétimo sinal, a ressurreição de Lázaro, João apresenta Jesus como o realizador das promessas de Israel. O Espírito de Jesus com sua morte e ressurreição, “vai vivificar os nossos corpos mortais” (Rm 8,11), tornando-nos participantes de sua ressurreição. Aquela ressurreição prometida ao povo de Israel é a mesma que participamos quando professamos a fé em Jesus nosso Senhor, porque participamos da herança teológica de Israel.

Jesus, grita no v. 43 “Lázaro, saia para fora”, aqui há um outro paralelo com a primeira leitura de Ez 37,13 “vos fizer sair delas, sabereis que eu sou o Senhor.” Não só as sepulturas serão abertas, mas o povo sairá dela. Jesus ainda acrescenta no v.44 “desamarrem e deixem que ele andem” e depois o v.45 afirma que muitos judeus haviam acreditado nele. Muitos judeus que presenciaram a ressurreição acreditaram em Jesus como o Messias esperado, eles mesmos professaram a mesma fé que saiu da boca de Marta.

A ressurreição de Lázaro e fé de Marta para a nossa vida

Entre todos os outros sinais, a ressurreição de Lázaro, sinal da impotência da morte diante da fé em Cristo, leva as autoridades dos judeus a decidirem matar Jesus (Jo 11,53). É pela ressurreição de Cristo que somos participantes da vida eterna que os poderes da morte não podem mais matar. A leitura desse final de semana, assim como em toda a Quaresma, nos prepara para a Páscoa do Senhor, que está a duas semanas de ser celebrada. Para uma comunidade celebrar a ressurreição é preciso professar a fé em Cristo a exemplo de Marta.

A comunidade do evangelho dedicado a João estava enfrentando uma dificuldade, não havia mais esperança. Jesus não estava mais na comunidade. Quando da profissão de fé de Marta, Jesus passa a participar com seu amor da comunidade e toda pode voltar à experiência de ressurreição. Assim a exemplo de Marta professamos também a nossa fé em Jesus que é o Messias esperado, o filho de Deus que devia vir a esse mundo. E sigamos nos preparando a Páscoa do Senhor. Amém.¹

 

*Jaiane Seulim. Jovem, gaúcha, militante da PJ e teóloga

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[1] MATEOS, Juan; BARRETO, Juan. O Evangelho de São João: análise lingüística e comentário exegético. São Paulo: Paulinas, 1989. 923 p.

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