#16DiasDeAtivismo | Violência contra a mulher, religião e Teologia Feminista

A religião, em suas diversas manifestações, é um componente muito importante em nossas vidas e na cultura brasileira. A cultura religiosa molda pensamentos e comportamentos, até mesmo de quem não se identifica com nenhuma religião. Elas congregam pessoas, transmitem valores éticos, ajudam a criar laços de solidariedade e fortalecem a esperança necessária para que as pessoas superem adversidades. Por outro lado, muitas vezes as religiões podem ser responsáveis por impor muitas limitações e perpetuar opressões, especialmente quando falamos de igualdade de gênero.
Infelizmente, a face mais visível das religiões no Brasil nos últimos anos tem sido a dos fundamentalismos, e a visão que essa face tem da mulher e seu papel na sociedade acaba por favorecer a violência de gênero em suas diversas formas. Quando observamos as relações construídas e mantidas entre homens e mulheres dentro do contexto religioso, percebemos que elas têm origem na própria interpretação das escrituras, ou seja, a Bíblia como Palavra sagrada de Deus torna-se o princípio que justifica o modo como as relações entre homens e mulheres devem ser mantidas. Se essa leitura é feita a partir de uma hermenêutica fundamentalista e patriarcal, a religião, que deveria ser uma dimensão facilitadora e enriquecedora na vida das mulheres, torna-se um obstáculo a mais para ser superado, e a ligação entre religião e violência contra as mulheres torna-se cada vez mais complexa.
Porém, para a interpretação inculturada da teologia cristã, a chave de leitura deve ser a suspeita. Suspeitar é a ordem do dia: suspeitar de tudo que está estabelecido, dos mitos, dos ditados, dos ritos. Mas do que vamos suspeitar? Daquela imagem de Deus-patriarca que se alia mais aos homens do que às mulheres, e que se apresenta quando é hora de legitimar a submissão, o silêncio, a humildade, o servilismo, a docilidade, a mansidão, qualidades todas que são dadas para as mulheres “femininas”; daquela palavra mal ensinada, daquela palavra que, disfarçada de libertadora, escraviza e aprisiona.
Outra chave de leitura para a nossa vivência cristã deve ser o cuidado com as metáforas. No antigo testamento é muito frequente associar Deus ao rei poderoso na batalha, forte e vingativo. Tais figuras estão nos coros, nos hinos. Já cantamos hinos e coros onde aparecem conceitos como guerra, batalhas, peleja sagrada, batalhões, luta, hostes inimigas. Esses conceitos são para indicar a luta entre o bem e o mal. Assim, estamos passando a ideia de que, para solucionar os problemas, temos o direito de usar a força bruta, pois Deus convida para a violência armada. Uma das nossas possibilidades, então, é rever e aprender a suspeitar de todas as ações que estejam nos ensinando comportamentos agressivos, discriminadores, violentos.
Há ainda diversos conceitos no imaginário e na doutrina da Igreja que facilitam diversas formas de violência. Além de exemplos de violência sexual amplamente conhecidos, um outro aspecto é a própria violência simbólica, como no fato de que os espaços de poder, a hierarquia da Igreja não é acessível para as mulheres; outro exemplo é a ideia do casamento indissolúvel, razão para convencer mulheres de que, mesmo se estiverem em relacionamentos abusivos, elas devem permanecer na relação.
Assim, temos o direito e o dever, como cristãs e cristãos fiéis ao Evangelho de Jesus Cristo, de questionar e não aceitar aqueles aprendizados teológicos-religiosos que fomentam o poderio do homem e a subordinação da mulher, sustentando assim as relações de violência. Acreditamos também que podemos dar pistas de atuações concretas quanto à superação dos ciclos de violência contra as mulheres, a partir de uma leitura libertadora da Bíblia, recuperando textos que estimulam para a vida, afinal, “o Evangelho é um conjunto de histórias que geram misericórdia e ajuda na construção do ser humano” (Ivone Gebara).
A proposição de uma nova hermenêutica para a leitura bíblica é o que a Teologia Feminista latino-americana tem feito já há muitas décadas, apontando para um centro hermenêutico igualitário. Essa outra forma de fazer teologia quer mostrar que a raiz da experiência cristã é igualitária, e que as estruturas e as relações de poder e de opressão também podem ser mudadas. O próprio Jesus foi muito ousado para o contexto social de sua época, rompendo com um machismo e um patriarcado arraigados, possibilitando que mulheres o seguissem na qualidade de discípulas. É uma atitude de quem tem coragem de romper com o estabelecido, propondo novas relações. Essa foi uma constante na prática de Jesus, e nos possibilita estabelecer uma nova ordem nas relações entre homens e mulheres, inaugurando experiências de valorização, protagonismo e igualdade.

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