Como sementes na terra, germinamos vida nova
Por Vinícius Borges
A quaresma é esse tempo místico, cercado de nuances próprias da liturgia popular, que nos remete a uma forma muito própria de viver a fé. O povo, contristado diante das dores, segue em marcha, nas procissões e caminhadas de vida, rumo ao destino que almejam: a Salvação.
Neste quinto domingo do tempo quaresmal, a Igreja propõe uma reflexão profunda sobre o sentido salvífico da proposta de Jesus. Primeiro, em Jeremias (31,31-34), é possível contemplar a proposta de uma Nova Aliança: se antes as bases do acordo de Deus para com seu Povo estavam fincadas na lei encravada nas pedras, agora elas serão enraizadas nos corações. A face misericordiosa do Pai envolve aqueles que anseiam o perdão e o abraço da ternura.
Nos dias difíceis em que vivemos, lembrar do chamado do Pai Amoroso cumpre recordar que há uma promessa perene de derramamento de acolhida e vida. É o projeto atualizado na doação de Jesus que, entregando-se sem medidas, fez florescer a novidade da aparente derrota, como nos recorda a segunda leitura (Hb 5,7-9).
O Evangelho (Jo 12, 20-33) merece um olhar especial. Ele narra um evento ocorrido em Jerusalém: lugar teológico dos conflitos, da culminância da jornada de Jesus, de sua glorificação. Ciente das consequências de suas opções, Jesus não se furta em indicar a morte que sofreria. Entretanto, antecipa a glorificação que ela deveria significar: fertilização dos sonhos entranhados no coração daqueles que se permitiram crer na Nova Aliança da esperança do Reino.
Os gregos que foram a Jerusalém para adorar decidem procurar Jesus. O texto parece indicar que o Templo, lugar sagrado de culto para os judeus e convertidos – como parece ser o caso desses “gregos” -, deve ser compreendido como o próprio Jesus. Ele mesmo, em evento ocorrido em Jerusalém, havia dito: “Destruí este templo, e em três dias eu o reconstruirei” (Jo 1, 19).
Ficam para trás as pedras das leis, agora incrustadas no coração dos homens; ficam para trás os templos de pedras, agora compreendidos na própria humanidade doada de Jesus; são superadas as barreiras externas, agora derrubadas para os encontros dos que decidem seguir um novo caminho. A Nova Aliança de Deus para com o Povo é celebrada na cruz de Jesus. O martírio Dele, indicado de modo poético no texto do Evangelho, indica que sua vida tombada será sinal de uma vasta plantação frutífera de novos sonhos.
Tantos foram os que entenderam sua mensagem e doaram a vida como grãos de trigo que morreram para frutificar na terra banhada em sangue. Estes seguiram compreendendo a mensagem do Jesus terno que nos ensina a esperançar. Num ano tão duro para o Brasil e o mundo, em que a pandemia do coronavírus ceifa vidas com a conivência de poderosos omissos, revisitar o coração é uma forma de redescobrir a promessa divina de que há ressurreição e flores após as lágrimas.
No Salmo 50, também da liturgia de hoje, o salmista clama por perdão. Devemos nos unir a ele para rezar em clamor de misericórdia. Pedir que sejamos purificados da desesperança que insiste em visitar-nos. Suplicar que o nosso coração encontre forças para continuar crendo no alvorecer pascal. Rezar para que saibamos encontrar sentido e coragem de dar a vida de graça em favor do projeto de Deus.
Se assim fizermos, saberemos abdicar das mesquinharias e desapegar-nos do individualismo e do ensimesmamento (concentrar-se em si) para mirarmos a vida que importa: a eterna. E é esse sentimento que far-nos-á viver Jerusalém até as entranhas, com as dores próprias dessa estação, para podermos, enfim, dançarmos a ciranda da vitória da Páscoa. Nós cremos. Nós esperançamos. E rezamos com o salmista: “Criai em mim um coração que seja puro” (Salmo 50).
Vinícius Borges Gomes é doutorando em Comunicação, mestre em Comunicação e Poder, e jornalista. Está como conselheiro estadual de juventude de Minas Gerais pela PJ.